Mecânica Clássica: Terceira Lei de Newton
A força do parafuso que aperta um corpo está para a força da mão que roda a chave, assim como a velocidade circular da chave no ponto em que é impelida pela mão está para a velocidade de avanço do parafuso contra o corpo que aperta.
Princípios matemáticos da filosofia natural, p. 63
Na coluna anterior trabalhei sobre a Segunda Lei de Newton. Estamos dentro da Série Mecânica Clássica e a base de toda essa grande área da Física são as Leis de Newton. Aqui gostaria de delinear sobre a Terceira Lei de Newton que é a mais visível e prática das outras, mas talvez não tão conhecida em essência porque, em alguns casos ou em nossa forma de ver as coisas, pode ser contrassenso.
A nossa base literária ainda é o livro Princípios matemáticos da filosofia natural, obra traduzida em português e disponível gratuitamente (vide link na sessão sugestão de leitura). Lembrando que Newton escreveu essa obra no séc. XVII (publicado em 1687). E também espero que você, caro leitor do CosmoTeo, ainda se lembre dos conceitos iniciais (de movimento) que já trabalhei nessa série. Se não, estes são os fundamentos e os respectivos textos que te recomendo a ter do lado ou em mente: cinemática, dinâmica, Primeira Lei de Newton e Segunda Lei de Newton. Recomendo ler, caso ainda não o tenha feito, essa sequência de textos porque ela dá melhor ideia da construção histórica e entendimento lógico a essa área que é tão óbvia no nosso dia a dia.
Outra recomendação que já fiz é que você poderá entender todas essas questões de Leis de Newton em qualquer livro do ensino médio ou livro de física de qualquer faculdade de ciências exatas, naturais ou tecnológicas. O meu texto base para estes ensaios é o livro Física para cientistas e engenheiros, vol. 1: mecânica, oscilações e ondas, termodinâmica, do Paul Tipler e Gene Mosca, 6ª edição, editora LTC. É um livro tradicional para quem tem um primeiro contato, em qualquer faculdade de engenharia e ciências de forma geral, após sair do ensino médio. Nas sugestões de leitura indico outras obras, de mesmo nível, como referenciais.
TERCEIRA LEI DE NEWTON
A Terceira Lei de Newton é a que está mais presente no nosso dia a dia, como as outras é infalível, mas talvez seja a menos perceptível em termos de senso comum. E, infelizmente, é a mais usada por charlatões, “coaches quânticos” e outras pessoas que, ou por má fé ou por desconhecimento (ou ambas!). Essas pessoas escrevem milhões de livros e textos, se baseando em uma lei física, que tem fundamentos físicos e ZERO intervenção psicológica, transcendental ou mística. Esses livros estão cheios de engano ou, para não ser tão ácido assim, erros crassos de ciência básica.
NOTA: sempre que escrevo ciência ou física básica ou fundamental, o que quero dizer é literalmente o que está escrito. Básico ou fundamental está relacionado a estrutura do mundo físico, aos tijolos de construção, seja por leis físicas, seja por partículas. Jamais as expressões básico e/ou fundamental tem a conotação de “algo que qualquer pessoa ou todos deveriam saber por ser tão fácil”.
Antes de entramos na essência da Terceira Lei, quero chamar a sua atenção para a primeira nota que está no livro Princípios matemáticos da filosofia natural. Aliás, essa nota é do tradutor da obra para o português: J. Resina Rodrigues. Vou colocá-la integralmente:
No tempo de Newton, ainda era corrente chamar Filosofia Natural ou Filosofia da Natureza ao conjunto dos conhecimentos básicos a respeito da Natureza. Na Idade Média, esses conhecimentos básicos eram geralmente apresentados como consequências de princípios metafísicos; esse vínculo vinha a ser quebrado desde o séc. XIV, mas mantinha-se a expressão “Filosofia Natural”.
Observe o que o tradutor Rodrigues está colocando nesta nota, na pág. 17 do livro (link para baixar gratuitamente está sessão Sugestão de Leitura), é o que se tinha na mentalidade dos cientistas (título que só foi dado muito tempo depois): o conhecimento sobre o mundo físico era derivado de princípios metafísicos. Lembrando que até o Iluminismo, período que tirou o propósito e o sentido das coisas existirem e substituiu pela “razão pura”, a teologia cristã era o guia da criação de Deus. Nas palavras do grande teólogo e cientistas, Aliste McGrath, no livro Teologia sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã (a edição que tenho em mãos é da ed. Shedd Publicações, 2010), pág. 221:
O cristianismo era como uma catedral, cujos alicerces se baseavam na razão humana, mas cuja estrutura se erguia muito além dos domínios acessíveis à razão pura. Ela estava alicerçada em fundamentos racionais, mas a construção, erguida sobre aqueles fundamentos, ia muito além daquilo que a razão era capaz de revelar. A filosofia era, portanto, a ancilla theologiae, “a serva da teologia.”
A forma de se fazer ciência nessa época é um pouco diferente de hoje. Claro que estou me referindo às ciências físicas, ciências naturais. O método cientifico da Física, por exemplo, é diferente do método derivado por Newton nessas leis: ele parte de definições, axiomas. Apenas para relembrar: axiomas ou definições, como estão no livro do Newton, são proposições ou sentenças dadas, sem a prévia comprovação experimental ou observacional. Hoje em dia fazemos um pouco diferente: apresentamos uma ideia que é derivada de equações ou algo que explica tal fenômeno por tal forma, e essa ideia é submetida a experimentação, observação: isso é o que chamamos de hipótese. Se a hipótese estiver correta, então ela “se transforma” em evidência de tal teoria; caso contrário, ela deve ser descartada ou modificada.
Apenas para exemplificar melhor a questão de definição ou axioma. Nós aprendemos na escola os axiomas de Euclides, lá na matemática. Euclides propõe um axioma, por exemplo, de que por 2 pontos se passa apenas uma única reta. É um axioma ou uma definição porque não precisa de comprovação prévia ou posterior; é algo dado e autoevidente. E mais do que isso: quando você vai “provar” que por apenas 2 pontos se passa uma única reta, a “prova” é satisfeita: na geometria euclidiana, só é possível construir uma única reta com apenas 2 pontos.
Da mesma forma que nos outros textos, se eu utilizasse equações e gráficos, poderia substituir páginas e páginas de texto; é muito mais fácil demonstrar como as coisas funcionam por equações e gráficos do que por textos, além de se ter a beleza matemática. Mas, vamos por palavras mesmo, e utilizarei as ideias do artigo anterior. De acordo com Newton, a Lei III ou, modernamente conhecida como Terceira Lei de Newton é:
A toda ação opõe-se sempre uma igual reação. Isto é, as ações são mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e opostas
Princípios matemáticos da filosofia natural, p. 42
Os conceitos de corpo e força foram tratados no artigo sobre a Primeira Lei de Newton. Apenas para simplificar: ação é a atuação de uma força em um corpo. Força é um “poder”, um “algo” que faz com que um corpo modifique a sua velocidade (mesmo que esta seja zero). Corpo é qualquer quantidade de matéria (partícula, carro, pessoa, estrela, galáxia) que é tomada como referencial para se estudar movimento.
Diferente das outras duas leis de Newton, a Terceira Lei diz respeito a um conjunto de forças. Relembrando as outras duas leis: a Primeira (Lei da Inércia) diz respeito a forma como um corpo se movimenta (parado ou em velocidade constante em linha reta). Já Segunda Lei está relacionada com a questão da mudança de movimento (mesmo que este seja zero ou parado). Aqui na Terceira Lei surge um outro componente: reação.
Comparando com as duas leis de Newton, onde tínhamos apenas uma força (ou nenhuma), na Terceira Lei aparece uma “nova” força: toda vez que é aplicado uma força a um corpo, uma outra força “surge do nada” fazendo contraposição a essa atuação desta força. E mais do que isso: Newton coloca que essa “nova” força tem a mesma intensidade e sentido contrário à força que está agindo no corpo.
Reconheço que é difícil escrever palavras para algo que, por equação, seria tão simples de fazer. Melhor: vamos colocar 1 desenho que substituirá todas essas palavras.
Vamos usar um outro exemplo muito mais simples e que você utiliza constantemente: andar.
O simples movimento de andar é possível devido a Terceira Lei de Newton: literalmente, você empurra o chão para trás e o chão te empurra para frente. Como o chão tem mais “massa” que você, a reação ou toda a força que você fez com seus pés empurrando o chão para trás é transformada em te “jogando” para frente: por isso que você deve colocar o próximo pé para frentes, senão você cai!
As implicações da Terceira Lei de Newton são ilimitadas: foguetes são lançados ao espaço, os carros se movimentam, pessoas andam, você se senta em cadeiras e milhões de outros exemplos são frutos diretos.
Permita-me usar uma simples equação. É quase irresistível não usá-la:
AB, BA são apenas índices ou nome dos corpos. Por exemplo, aqui estou chamando um corpo qualquer de A e um outro corpo qualquer de B. Pode ser 2 carros, 2 pessoas, uma pessoa e o chão, um copo e uma mão, uma pessoa e uma cadeira etc.
A leitura da equação é a seguinte: a força que o corpo A exerce sobre o corpo B é igual a força que o corpo B exerce sobre o corpo A. Ou, como está escrito no último termo: A força que o corpo A exerce sobre o corpo B é igual ao negativo desta mesma força (de A exercendo força em B). E, para terminar: A força que o corpo B exerce sobre o corpo A é igual ao negativo da força que o corpo A exerce sobre o corpo B.
Nota para meus colegas físicos e cientistas em geral: aqui estou desconsiderando a natureza vetorial nas equações em nome de uma simplicidade de descrição de eventos.
O que me refiro a “força igual” significa, literalmente, que a intensidade da força de um corpo sobre outro é igual, em sentido contrário. Ou seja, se eu empurro um copo com a mão, o copo empurrará minha mão com a mesma intensidade e sentido contrário ao movimento que estou fazendo. Claro, como minha mão é mais “pesada” que o copo, então o copo vai ser colocado ou empurrado para onde quero.
No futuro entrarei em detalhes sobre como “falha” a Terceira Lei de Newton com o Eletromagnetismo. E essa falha vai dá margem para o surgimento de uma grande área da Física: a Relatividade.
CONCLUSÃO
Observe que tudo o que descrevi aqui são coisas simples, do nosso dia a dia. E mais do que isso: a Terceira Lei de Newton uma das responsáveis pelo funcionamento do universo. Sim, é isso mesmo: essa lei, criada por Deus, é a que dá as diretrizes de funcionamento mecânico de todo o universo, desde as menores coisas (partículas e átomos) até as maiores coisas (aglomerado e superaglomerado de galáxias).
Para finalizar este simples ensaio deixo uma citação que está no livro Ciência e religião: fundamentos para o diálogo do Alister McGrath (editora Thomas Nelson Brasil). Neste trecho, McGrath está trabalhando com o tema princípio antrópico (ainda comentarei sobre isso no futuro) e transcreve a observação, abaixo, dos autores do livro The anthropic cosmological principle, Barrow e Tipler:
Um dos resultados mais importantes da física do século 20 foi a percepção gradual de que existem propriedades invariantes do mundo natural e seus componentes elementares que tornam inevitável o tamanho e a estrutura macroscópicos de praticamente todos os seus constituintes. O tamanho de estrelas e planetas, e até mesmo das pessoas, não é aleatório, nem resultado de qualquer processo de seleção darwiniano a partir de uma infinidade de possibilidades. Essas e outras características macroscópicas do Universo são as consequências da necessidade; são manifestações dos possíveis estados de equilíbrio entre forças concorrentes de atração e repulsão. Os níveis intrínsecos dessas forças controladoras da Natureza são determinados por uma misteriosa coleção de números puros que chamamos de constantes da Natureza.
Ciência e religião: fundamentos para o diálogo, cap. 6, sessão “Física: o ‘princípio antrópico’ tem significado religioso?
Ficou em dúvida, quer perguntar algo ou fazer alguma crítica / sugestão? Deixe nos comentários abaixo e terei o prazer em te responder aqui ou em algum artigo específico.
Sugestão de leitura
- O melhor material, em português, no assunto entre ciência e fé cristã é o Dicionário de cristianismo e ciência, editora Thomas Nelson Brasil em parceria com a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência;
- O livro, em português e gratuito, do Newton (Principae) pode ser baixado no site da editora Fundação Calouste Gulbenkian em https://gulbenkian.pt/publication/principios-matematicos-da-filosofia-natural/. Basta fazer um simples cadastro com e-mail e o download é disponibilizado gratuitamente;
- Há diversos livros de física que tratam sobre as leis de Newton. Em qualquer livro que você tiver do ensino médio ou de faculdade (engenharias ou física na parte de mecânica ou mecânica clássica) tem esse conteúdo. Recomendo, além disso, os livros que utilizei no texto: Física para cientistas e engenheiros, Volume 1: mecânica, oscilações e ondas, termodinâmica, por Paul Tipler e Gene Mosca, editora LTC; Mecânica, por Keith R. Symon, editora Campus e o Mecânica clássica, por John R. Taylor, editora Bookman. São livros-textos, técnicos, mas que você pode aproveitar muito bem o texto e até aprender um pouco de conteúdo que os cientistas aprendem.