Mecânica Clássica: Segunda Lei de Newton

Cada homem, na medida em que é uma coisa que tem percepção, é um e o mesmo homem ao longo do seu tempo de vida, em cada um dos seus órgãos sensoriais. Deus é o único e o mesmo Deus sempre e em toda a parte. É onipresente, não apenas virtualmente, mas substancialmente, porque a ação [virtude] exige substância. Nele estão contidas e se movem todas as coisas, mas ele não atua nelas nem elas nele. Deus não é afetado pelos movimentos dos corpos e os corpos não encontram resistência pela omnipresença de Deus.

Princípios matemáticos da filosofia natural, p. 885

Na coluna anterior comecei a falar sobre as Leis de Newton. Delineei sobre a Primeira Lei de Newton, a conhecida atualmente como Lei da Inércia. Hoje continuarei o percurso com a Segunda Lei de Newton. Talvez seja a lei mais natural de sentir, mas com certeza é mais difícil de experimentar de forma pura.

Continuarei a citar trechos do livro Princípios matemáticos da filosofia natural, obra traduzida em português e disponível gratuitamente (vide link na sessão sugestão de leitura). Também, por questão de extensão textual, aqui tratarei apenas da Segunda Lei, deixando as outras duas leis (sim, temos mais duas leis de Newton) para colunas posteriores. Contudo, ainda espero que você, caro leitor do CosmoTeo, tenha lido outras duas colunas anteriores onde explico diversos conceitos que são determinantes, como referencial inercial, movimento etc: cinemática e dinâmica, assim como a coluna anterior onde trabalho a Primeira Lei de Newton. Essa sequência é interessante e recomendo porque dá mais visibilidade histórica (essas leis foram formuladas no séc. XVII há 350 anos) e entendimento lógico conceitual.

E já é de praxe a linguagem clara e atual (estou no séc. XXI) por questões didáticas. Você ainda poderá entender até mais detalhes em qualquer livro de ensino médio ou livro de física de qualquer faculdade que trate do assunto. Apenas como referencial, estou utilizando o livro Física para cientistas e engenheiros, vol. 1: mecânica, oscilações e ondas, termodinâmica, do Paul Tipler e Gene Mosca, 6ª edição, editora LTC. É um livro tradicional para quem tem um primeiro contato, em qualquer faculdade de engenharia e ciências de forma geral, após sair do ensino médio. Nas sugestões de leitura indico outras obras, de mesmo nível, como referenciais.

SEGUNDA LEI DE NEWTON

Aqui está a lei mais famosa, em termos matemáticos, e talvez a mais desconhecida, falando de maneira conceitual. Para mim, um físico teórico com treinamento em matemática, olhar para uma equação ou uma função, até mesmo para um gráfico, é como ler mil palavras. Talvez, lendo uma equação, não fique muito claro as questões filosóficas, as implicações pessoais ou até emocionais; mas o pleno e completo funcionamento físico, isso sim, é a coisa mais fácil, para mim, de abstrair a partir de uma equação, função ou até mesmo de um gráfico.

Mas, explicarei aqui, o conceito e como é o funcionamento da Segunda Lei sem usar equações. Claro que não resistirei, mas expressá-la-ei apenas com intenção de demonstração de beleza (sim, a matemática tem beleza!). Nas palavras do Grande Físico do séc. XVII:

A mudança no movimento é proporcional à força impressa e faz-se na direção da linha reta segundo a qual a força motora é impressa.

Princípios matemáticos da filosofia natural, p. 41

Apenas como efeito de comparação, um outro autor, físico, que tenho grande admiração (já falecido) e que escreveu outro livro-texto de excelente qualidade, Mecânica clássica, coloca a definição da Segunda Lei um pouco mais técnica e que merece a nossa atenção. De acordo com o grande Keith Symon:

A taxa de variação de momento linear é proporcional à força aplicada, e na direção em que a força age

Mecânica clássica, Symon, p. 26

Vamos por partes. Mudança de movimento em linha reta e taxa de variação de momento linear tem o mesmo significado físico. Em outras palavras, o que é modificado, na Segunda Lei, é a velocidade do corpo ou partícula. Isso significa, na prática, que uma partícula que tem um movimento em linha reta, constante (velocidade constante positiva ou negativa, ou está em repouso: velocidade igual a zero) tem a sua velocidade alterada devido uma força externa (força aplicada, força impressa). Ou seja, a velocidade, que inicialmente é constante (positiva, negativa ou nula), tem o seu valor alterado devido a uma força externa aplicada sobre a partícula.

Acho que está bastante claro o que a força, depois de aplicada e alterando a velocidade, tem em seu componente: aceleração. Aceleração é um algo físico que modifica a velocidade, ou seja, altera o valor da velocidade. Apenas a aceleração nula não imprime modificação na velocidade. Mas, vamos dar mais um passo, técnico, para enriquecer seu conhecimento: momento.

Momento, em física, não significa tempo, “um evento entre namorados”. Momento, aqui no contexto de Mecânica Clássica, é definido como quantidade de movimento: é uma associação entre a massa e a velocidade. Ou seja, Momentum (às vezes também usamos o termo latim) é uma grandeza física (e vetorial: tem magnitude, direção e sentido) que incorpora informação sobre a massa da partícula (que é invariável) e velocidade.

Voltemos ao conceito da Segunda Lei. Ele diz que a variação do momento, da quantidade de movimento, é proporcional à força aplicada. Proporcionalidade, em física, se traduz, matematicamente como colocando um sinal de igual (=) e uma constante. Com minha cabeça de físico formado no séc. XXI é fácil saber o que é essa construção, mas vamos recorrer a Newton antes na Definição II de sua obra:

A quantidade de movimento é a medida do mesmo, proveniente em conjunto da velocidade e da quantidade de matéria.

Princípios matemáticos da filosofia natural, p. 20

Está extremamente intuitivo escrevermos equação para isso! Mas, quero construir esses conceitos ou, melhor, a Segunda Lei de forma matemática contigo, caro leitor. O que temos, até agora: a taxa de variação do momento ou quantidade de movimento é proporcional à força aplicada. Ou, como diz Newton, a mudança de movimento (quem modifica movimento ou velocidade é aceleração) é proporcional à força aplicada:

Leia-se como: A quantidade de movimento p é proporcional a F

Onde p é a quantidade de movimento ou momento, o próximo sinal é o símbolo matemático para proporcionalidade e F é a força aplicada. Só que já sabemos pelo Newton que quantidade de movimento ou momento (a letra p) é o conjunto da velocidade e da quantidade de matéria. Velocidade, em física, é v e quantidade de matéria é m. Quando dizemos conjunto de algo e outro algo, juntos, é uma multiplicação. Vamos trocar a palavra proporcional por igual a uma constante e ver o que temos:

p = m.v

Então, isso quer dizer que a variação de p é proporcional a F. E proporcionalidade, em palavras matemáticas na física, é uma igualdade seguido por uma multiplicação de uma constante. Olhando para o momento (p = m.v) já temos o = e a constante: m, que é a massa. Só que tem um detalhe: o enunciado diz que é a variação do movimento (variação da velocidade) ou da taxa de momento. Ao invés de usarmos p, que é o momento fixo, e v, que é a velocidade fixa, vamos usar o a, que é a aceleração ou o objeto matemático e físico que modifica a velocidade. Reescrevendo a primeira expressão, substituindo o símbolo de proporcionalidade por = e m:

m.a = F

Acho que agora está até mais visível a famosa equação que sempre lemos no ensino médio. Mas, vamos reescrevê-la melhor:

F = m.a

Essa é a famosa equação F = m.a ou a equação que descreve a Segunda Lei de Newton. Uma outra equação, que é a mesma acima, só que escrita de outra forma, é:

Leia-se: aceleração a é igual a F dividido por m

Tudo continua igual: apenas coloquei m para o outro lado, dividindo, e reorganizei a equação.

Mensagem aos colegas mais técnicos: não cabe, nesse contexto e público, trabalhar as noções ou até aplicações de derivada temporal, derivada do momento, derivada da velocidade etc. Aqui estou apenas tentando traduzir os conceitos físicos sem utilizar muita matemática, que é extremamente importante e que pouparia mil páginas de palavras.

Voltando ao enunciado da Segunda Lei de Newton, mas agora com um aporte matemático. Em outras palavras, a Segunda Lei de Newton:

A aceleração de uma partícula é diretamente proporcional à força externa aplicada e o inverso da massa é a constante de proporcionalidade entre a aceleração e a força.

Resumindo, a Segunda Lei expressa que uma partícula tem seu movimento modificado (aceleração) quando se imprime uma força externa sobre ela. Exemplos para ficar mais claro:

  • Um carro para o seu movimento porque a força gravitacional (força externa) atua sobre ele fazendo com que este fique “se arrastando” no asfalto. Devido a força de atrito, um carro em movimento constante perderá o seu movimento até parar;
  • Se você jogar uma pedra para cima, ela subirá até uma altura, parará e volta para o chão. Isso acontece por causa da força externa (gravitacional);
  • Um pêndulo, que é uma corda com um objeto amarrado em uma ponta e que fica oscilando, parará de oscilar depois de um tempo devido a força gravitacional e a força de atrito com ar; forças externas.

A lista de exemplos é infinita, mas a ideia é clara: uma força externa modifica o movimento de um corpo, mesmo que este movimento seja zero (Primeira Lei https://horadeberear.com.br/2022/04/26/mecanica-classica-primeira-lei-de-newton/).

RESULTANTE DE FORÇAS

Antes de concluir, uma pequena palavra sobre o que disse no início do texto: esta lei é, talvez, a mais natural de sentir, mas com certeza é mais difícil de experimentar de forma pura. Isso se dá pelo simples motivo que é, praticamente impossível, estar em algum lugar no universo sem a atuação de força qualquer. Se você está na superfície terrestre, há forças gravitacionais agindo sobre você: da Terra, da Lua, do Sol ou de qualquer outra pessoa. Se você está no Sistema Solar ou em qualquer galáxia, a força gravitacional também está agindo sobre você. E isso também acontece se você estiver em qualquer aglomerado ou superaglomerado de galáxias.

Se é tão difícil determinar ou encontrar um local que esteja livre de forças externas para fazer um teste simples da Segunda (e isso também inclui a Primeira) Lei, como Newton determinou ou descreveu isso que conhecemos? É uma pergunta natural e a resposta a ela entra em um pouco de intuição e imaginação.

Por exemplo, voltando à Primeira Lei, que diz que um corpo permanece em repouso ou em movimento constante a não ser que uma força externa aja sobre ele, é impossível fazer um experimento comprovando isso de forma limpa, ou seja, com ausência de forças externas. Olhando para a Segunda Lei, mencionei que a modificação da velocidade (aceleração) é dada por força externa, mas e se tiver duas forças externas atuando no mesmo corpo? Por exemplo, um carro andando em uma rua sob a atuação da força gravitacional, que o puxa para baixo (ou para a direção do centro da Terra) e a força de atrito, que é uma força contrária ao seu movimento. Como resolver essas questões? É aqui que entra a força resultante.

A resultante de forças é uma combinação de todas as forças que atuam em um corpo. Esse fenômeno é tão importante para a física, de forma geral (mecânica clássica, mecânica quântica, mecânica relativística, hidrodinâmica, estática, eletricidade, magnetismo …), que há um princípio físico gerador: princípio da superposição. Em outras palavras, você combina todas as forças que atuam sob um corpo e vê qual é a direção, sentido e intensidade que a soma / subtração das forças faz e movimenta (ou deixa-o em repouso) o corpo.

Observe a imagem abaixo:

Fonte: Física para cientistas e engenheiros, vol. 1, 6ª ed, Paul e Tipler, p. 130

Veja que há duas crianças em cima de um trenó sobre a neve e um homem puxando o trenó + as duas crianças. Colocando força o suficiente, ele conseguirá arrastar o trenó e as crianças com uma velocidade qualquer, talvez até com uma aceleração positiva. Mas observe que, para isso ocorrer, a força que ele terá que fazer na corda é tal que esta seja a resultante de todas as forças que atuam no trenó e nas crianças: força peso (que é o que chamamos, erroneamente, de massa ou peso que a balança mede; é a força gravitacional que age no trenó e nas crianças) do trenó e das crianças, força de atrito (contato entre o trenó e a neve, que se opõe ao movimento) e todas as outras forças de arrasto ao redor do trenó: ar e ventos.

Resumindo: o princípio da superposição das forças, que fará um papel de resultante das forças externas que atuam em um corpo, é o conceito mencionado, genericamente de força externa: já é embutido, em nossa mentalidade de observador natural, que a força externa que move coisas é, na realidade, uma força resultante a partir de diversas outras forças.

Um simples, importantíssimo e essencial exemplo de força resultante: andar. Sim, literalmente isso: você anda (com seus pés, em uma cadeira de rodas, de carro ou de ônibus) apenas e exclusivamente devido a força resultante. Você tem, agindo em seu sistema (corpo, carro, ônibus etc), as forças de atrito (se você estiver em movimento, é atrito cinético ou dinâmico; caso contrário, estático), as forças de arrasto (vento, ar, águas) e a força gravitacional.

Quer um exemplo mais simples que isso: fique sobre os pés ou sentado, parado. Pronto: para você ter esse movimento (ou repouso) a força resultante, que é o somatório de todas as forças que atuam sobre você, é nula. Não é que não existem forças externas agindo sobre você; tem e são muitas. Mas, a força resultante é zero, nula. Por isso que você está em repouso, que a sua casa tem paredes, que os prédios estão intactos, que as pontes estão firmes e, principalmente, esse é o motivo de você deitar em uma cama e não bater em uma parede ou em um carro do outro lado da rua.

CONCLUSÃO

Por uma questão de espaço e para não ser tão cansativo, descrevi, brevemente, apenas a Segunda Lei. Há milhões de outros detalhes e implicações dessa lei. Tenho certeza que você terá muito o que refletir sobre as abordagens aqui. Novamente, a intersecção com a teologia cristã é natural: a sem a Segunda Lei de Newton nada poderia estar funcionando e tudo isso funciona tão perfeitamente porque é ação direta de Deus (ou força resultante?).

Para finalizar, deixo uma citação não de Newton, mas de um outro físico cristão, crente em Deus, devoto e que é algumas décadas anterior: Johannes Kepler (sim, o mesmo das leis de Kepler). No livro V da sua grande obra, The harmony of the World (tenho apenas essa edição em inglês), Kepler finaliza o seu trabalho com um verso retirado da Bíblia. Exatamente isso: um físico finaliza o seu trabalho sobre o funcionamento físico do mundo com um versículo retirado da Palavra de Deus. Abaixo, faço uma tradução livre do trecho:

Grande é nosso Senhor, e grande é Sua excelência e não há contagem de Sua sabedoria. Louvai-O céus; louvem-O, Sol, Lua e Planetas, com qualquer sentido para perceber e com qualquer língua para falar do seu Criador; louvem-O, harmonias celestiais, louvem-O, juízes das harmonias que foram reveladas; e tu também, minha alma, louve ao Senhor seu Criador enquanto eu viver. Pois dEle e por meio dele e nele são todas as coisas, “tanto as sensíveis como as intelectuais”, tanto aquelas que ignoramos completamente quanto aquelas que conhecemos, uma pequenina parte delas, pois há ainda mais além. A Ele seja o louvor, a honra e a glória de geração em geração. Amém.

The harmony of the World, por Johannes Kepler, p. 498

Ficou em dúvida, quer perguntar algo ou fazer alguma crítica / sugestão? Deixe nos comentários abaixo e terei o prazer em te responder aqui ou em algum artigo específico.

Sugestão de leitura

  • O melhor material, em português, no assunto entre ciência e fé cristã é o Dicionário de cristianismo e ciência, editora Thomas Nelson Brasil em parceria com a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência;
  • O livro, em português e gratuito, do Newton (Principae) pode ser baixado no site da editora Fundação Calouste Gulbenkian em https://gulbenkian.pt/publication/principios-matematicos-da-filosofia-natural/. Basta fazer um simples cadastro com e-mail e o download é disponibilizado gratuitamente;
  • Há diversos livros de física que tratam sobre as leis de Newton. Em qualquer livro que você tiver do ensino médio ou de faculdade (engenharias ou física na parte de mecânica ou mecânica clássica) tem esse conteúdo. Recomendo, além disso, os livros que utilizei no texto: Física para cientistas e engenheiros, Volume 1: mecânica, oscilações e ondas, termodinâmica, por Paul Tipler e Gene Mosca, editora LTC; Mecânica, por Keith R. Symon, editora Campus e o Mecânica clássica, por John R. Taylor, editora Bookman. São livros-textos, técnicos, mas que você pode aproveitar muito bem o texto e até aprender um pouco de conteúdo que os cientistas aprendem;
  • O livro do Kepler citado é The harmony of the World, por Johannes Kepler. Traduzido para o inglês por E. J. Aiton, A. M. Duncan e J. V. Field. Edição 1997.
Quadro de Isaac Newton (1643 – 1727) retratado por J. Smith, 1712.
Fonte: https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rsnr.2011.0066
Dr. Alexandre Fernandes

Até a próxima!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *