3. DEUS E O PROBLEMA DO MAL: O PENSAMENTO DE LEIBNIZ

Nos dois últimos posts, eu busquei apresentar o contexto geral sobre o paradoxo do filósofo grego Epicuro (341 a.C.-271 a.C.) que tentou, pela lógica, demonstrar a incompatibilidade entre os atributos de Deus (onipotência e a bondade), coexistindo dentro da mesma realidade em um mundo com a presença do mal. Para Epicuro, essas realidades eram inconciliáveis, pois esbarravam na regra lógica fundamental da não-contradição, segundo a qual uma sentença não pode ser ao mesmo tempo verdadeira e falsa. Seriam então essas questões uma espécie de “xeque-mate” da fé teísta e, sobretudo, judaico-cristã? Reproduzo novamente as proposições do filósofo Epicuro:

  1. Deus é onipotente;
  2. Deus é infinitamente bom;
  3. O mal existe.

As questões sobre o paradoxo de Epicuro foram exaustivamente trabalhadas pelo filósofo Gottfried Wilhelm Leibniz (1646–1716). Em 1710, ele escreveu os ensaios sobre a teodiceia. Trata-se de uma obra que buscou abordar discursos de metafísica, notadamente os relativos à Monadologia. Os ensaios de Leibniz tiveram por objeto abordar as questões atinentes à justiça de Deus. Ele tenta abordar o dilema das questões do mal no mundo apresentadas por Epicuro, cuja síntese visava afastar a ideia de um Deus pessoal preocupado com os assuntos da humanidade. Leibniz toma, portanto, a defesa da causa de Deus, como uma espécie de advogado. Por meio dos seus ensaios metafísicos, trabalhou as proposições apresentadas pelo seu colega filósofo do período helenístico, buscando estabelecer uma harmonia entre a justiça de Deus e o problema do mal.

A tese de Leibniz segue uma linha de que Deus escolheu os melhores mundos possíveis que agregam entes e eventos compossíveis (o termo é este mesmo). É aquilo que é passível de coexistir de modo integrado no mundo real. Segundo o filósofo, tudo foi previsto, tais como as causas e os efeitos, até nos mínimos movimentos das matérias. Isso envolve as boas e as más ações de cada entidade. Destaca-se que o conceito de mal na visão de Leibniz se divide em três tipos: o mal metafísico, o qual está ligado a imperfeição das criaturas; o mal físico, este ligado à questão do sofrimento; e o mal moral, este relacionado à ideia de pecado.

Para Leibniz, os seres criados são essencialmente limitados e imperfeitos, os quais podem cometer erros e serem enganados. E isso reside, segundo o filósofo, não da vontade de Deus, mas do seu entendimento (termo que significa aquilo que concebe todas possibilidades), tornando-se impossível um mundo sem o mal do ponto de vista metafísico, pois este é uma necessidade que foi imposta pelo entendimento divino. É no “intelecto de Deus” que se encontram todas as formas de existências possíveis. Ele parte da premissa que há uma realidade além da física, de onde se emanam toda a perfeição. Ainda assim restam as questões que envolvem a presença do mal físico e do mal moral no mundo dos humanos.  As recorrentes perguntas que se fazem são: por que Deus não criou um mundo sem sofrimento? ou, não poderia Deus ter criado o mundo sem o mal físico e moral?

A tese de Leibniz vai dizer que cada ideia de mundo possível corresponde a um conjunto de compossíveis. Por compossíveis o filósofo sugere a ideia de possíveis que não são contraditórios entre si. Assim, conforme apontou a professora Borges, uma solução simplificada da presença do mal seria então dizer que a criação de um mundo sem a presença do mal físico e moral, em tese, inexistiria no mundo dos possíveis. Nessa linha, Deus então escolheu, dentre o princípio do melhor entre as várias opções de mundo, aquela com a presença do mal físico e moral. Parece uma ideia um pouco nebulosa, mas a própria Bíblia vai dar essa concepção ao dizer que:

“O Senhor fez todas as coisas para atender aos seus próprios desígnios, até o ímpio para o dia do mal.” Provérbios 16:4.

Por outro lado, o simples fato de podermos pensar na possibilidade de um mundo sem a presença do mal físico e moral já seria, segundo os que contestam a tese de Leibniz, uma possibilidade para um Deus Todo-Poderoso, chegando à conclusão de que Deus poderia, sim, ter escolhido um mundo sem a presença do mal. Nos seus ensaios, Leibniz confirma essa hipótese, porém ratifica que estes mesmos mundos que ele chamou de utópicos seriam enquadrados na categoria dos “mundos inferiores” em relação ao nosso quanto ao conceito de bem. Aliás, se quer teríamos o conhecimento do conceito de bem se não houvesse a presença de mal.

Assim, a ideia de Leibniz, ao defender a opção de Deus ter criado este mundo e não outro, parte não da impossibilidade real de um mundo sem a presença do mal, mas do fato de que, nos seus planos, a presença do mal concorre para existência de um bem maior no final. Ele advogava a premissa de que o mal particular pode contribuir com o bem na totalidade do mundo.

Ao lidar com as proposições de Epicuro, ele, como dito, categoriza os três tipos de mal: metafisico, físico e moral. O primeiro, segundo ele, é uma necessidade de todo ser criado, portanto a existência não implica na proposição que diz “Deus é onipotente”, porque não é a vontade divina que determina a existência da imperfeição das criaturas, mas do seu entendimento, este é o locus das verdades eternas, portanto a subordinação da vontade dele ao seu entendimento não acarreta prejuízo à sua onipotência.

Já em relação aos outros tipos de mal – o físico e moral – na visão dele, isso se deveu pela própria escolha divina entre o os “vários mundos possíveis” com objetivo de selecionar o melhor dentre eles. No entanto, ainda assim parece que essa ideia sugere que Deus quer a presença do mal, de modo que anularia a 2ª proposição da qual se afirma que “Deus é infinitamente bom”. Nesse caso, Leibniz tenta responder a partir da ideia de vontade “antecedente” e “consequente”. Segundo a profª Borges, a “vontade antecedente examina cada parte por vez e quer o bem em cada uma delas, tendo a inclinação a salvar e santificar cada homem em particular“. Em outras palavras, Deus “quer”, às vezes, o mal físico  para aperfeiçoar o indivíduo, mas nunca quer o mal moral, este último, por sua vez, se ocorrer, é apenas uma permissão Dele.

É interessante como a filosofia leibniziana bebe das fontes das Escrituras. A ideia de se trabalhar as duas vontades de Deus, no caso “vontade antecedente e consequente”, tem certa verossimilhança com a ideia teológica sobre a vontade permissiva e a vontade diretiva de Deus. Por exemplo, a Bíblia diz que Deus não é o autor do pecado (mal moral), mas permitiu que este viesse ao mundo. Porém, tal como a ideia da vontade consequente, Deus, diretivamente, visou um bem maior a partir das consequências do mal. Conforme está escrito na Palavra de Deus, o Cordeiro de Deus, isto é, Cristo, foi morto “antes da fundação do mundo” (Apocalipse 13:8). Em outras palavras, por meio de uma vontade antecedente, Deus apontou para a um bem maior que consiste na salvação por meio de Jesus Cristo.

Bom, espero que tenham gostado. Apresentou alguma dúvida? Participem escrevendo nos comentários e sugerindo novos artigos. Na última série desse tema, irei trabalhar as questões teológicas a respeito do Problema do Mal, buscando apresentar uma resposta a partir das escrituras.

Espero você até a próxima!

Me. Francirley Oliveira

Bibliografias consultadas:

Clark, Gordon H. Deus e o mal: O problema resolvido. eBook Kindle;

Berkhof, Louis. Teologia Sistemática, Editora Cultura Cristã;

Borges, Maria de Lourdes. Teodiceia de Leibniz: problema do mal na Teodiceia de Leibniz. Disponível em (https://www.scribd.com/document/390918611/Dialnet-OProblemaDoMalNaTeodiceiaDeLeibiniz-2565562-pdf);

Leibniz, G.W. Ensaios de Teodiceia. Estação Liberdade;

Sayão, Luiz. O Problema do Mal no Antigo Testamento: O Caso de Habacuque. São Paulo: Hagnos;

Wright, R. K. MacGregor. A Soberania Banida, Editora Cultura Cristã.

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