Relatividade: tempo e espaço nas mãos de Deus – parte 2
Mas, amados, não ignoreis uma coisa, que um dia para o Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia.
2 Pedro 3:8
Hoje continuarei a reflexão da última coluna onde falei um pouco sobre a Relatividade Especial (RE), que é a outra teoria desenvolvida por Einstein: Relatividade Geral (RG). Ela é igualmente complicada de se entender a partir do senso comum e da observação diária da nossa vida. Mas, diferente da RE, muito fenômenos (principalmente cosmológicos) são interpretados dentro do contexto da RG: ondas gravitacionais, buracos negros, curvatura da luz em presença de corpos massivos e evolução do universo (Big Bang). A lista de assuntos e comprovações interpretativas da RG é extensa e eu pretendo fazer algo muito mais simples: apenas apresentar as ideias mais gerais e alguns fenômenos explicados pela RG. Em outras colunas falarei sobre ondas gravitacionais e teoria do Big Bang.
A RG é uma atualização, uma generalização da RE. Enquanto a RE trabalha com a questão de movimentos relativísticos (movimento de objetos perto da velocidade da luz, c, de 300 mil km/s) e em referenciais inerciais (onde não há aceleração ou ação de forças externas como gravidade), a RG vai tratar de fenômenos em referenciais não-inerciais, ou seja, onde forças externas (como gravidade) tem papel preponderante. Um exemplo de RE é a vida dilatada do múon que tratamos na outra coluna.
Um pequeno histórico da RG. Ela começa em com a sua publicação em 1916. A ideia de Einstein é fazer uma espécie de generalização da RE incorporando efeitos gravitacionais (aceleração, referenciais não-inerciais etc). Uma analogia: temos as 3 leis de movimento de Newton e a lei da gravitação universal; com Einstein temos a RE e a RG.
Os fundamentos da RG, de forma sintética, são:
- A força gravitacional é interpretada como curvatura do espaço-tempo;
- Corpos com massa-energia (na RE há uma relação entre esses conceitos; para simplificar, chamarei apenas de massa) provocam a curvatura do espaço-tempo;
- Uma queda livre, na Terra, é análoga a estar flutuando no espaço.
Antes de falarmos sobre curvatura, precisamos ver o que é espaço-tempo. Lá na RE vimos que o espaço pode se contrair e o tempo se dilatar. Nas equações tratamos espaço e tempo como entidades interligadas: espaço-tempo. Isso significa que se eu dilato um deles, o outro é contraído por causa, dentre outros detalhes, da velocidade da luz que é constante.
Um exemplo prático: olhe para o canto de uma parede. Você verá que há 3 dimensões: altura (z), largura (y) e profundidade (x).
A RE é construída em um sistema quadridimensional: altura (z), largura (y) e profundidade (x) e tempo (t).
Essa imagem acima é uma representação quadridimensional, ou seja, do espaço-tempo com as coordenadas de espaço (x, y, z) e do tempo (t). Sim, sei que é impossível, visualmente, entendermos essa imagem acima por causa do nosso cérebro adaptado a 3D (três dimensões espaciais). Mas, ela traz um detalhe interessante que é a questão da distorção: veja que as linhas (que são as coordenadas espaço-temporais) não são retinhas mas tem uma curvatura: ela surge por causa do corpo massivo (Terra) que distorce.
Sobre a parte da analogia entre a queda livre e o campo gravitacional é chamado de princípio da equivalência. Em um exemplo: suponha que você esteja dentro de um elevador e que ele esteja caindo. A sensação de estar flutuando na queda é igual a sensação de estar voando no espaço.
As implicações desses pontos são profundas. Começando com a gravidade: na interpretação da RG ela é o efeito da curvatura do espaço-tempo. Em Newton, como estudamos na escola, ela é uma força, mas sem a determinação da fonte; aqui a fonte é a curvatura do espaço-tempo. Sobre a dinâmica relativística que vimos na outra coluna a distorção do espaço-tempo (dilatação temporal e contração espacial) podem ser vistos tanto em alta velocidade (próxima da velocidade da luz) quanto perto de um corpo massivo (planeta, estrela ou buraco negro).
Um exemplo: a Lua está conectada a Terra através da gravidade. No entendimento da RG, essa força advém da curvatura do espaço-tempo que a Terra provoca ao seu redor, fazendo com que a Lua orbite (com velocidade) essa distorção.
Um outro exemplo que evidencia a interpretação da curvatura do espaço-tempo da RG aconteceu, primeiramente, em 1919 em um eclipse solar. Inclusive, ele foi observado em Sobral/CE. A figura abaixo é uma representação do que aconteceu e, sempre que há eclipse solar, essa mesma observação é feita e comparada com a RG.
O círculo branco, perto da estrela, é a posição da Terra em janeiro. Nessa época a estrela é vista a noite. Seis meses depois, em julho, a Terra está do outro lado do Sol e a Lua eclipsando-o. Com isso, é possível ver a estrela durante o dia enquanto ocorre o eclipse solar. Comparando a posição da estrela em janeiro e julho é visto que a luz, vindo da estrela, fez uma curva. Essa curva é devido a distorção do espaço-tempo que o Sol provoca ao seu redor (análogo a Terra-Lua citado acima). Este tipo de fenômeno acontece no universo inteiro: a luz sempre anda em linha reta mesmo que essa reta esteja curvada devido a corpos massivos (planetas, estrelas, buracos negros e galáxias). Veja essa imagem abaixo:
Nessa foto, real, há um aglomerado de galáxias (cada ponto é uma galáxia e não estrelas). Como esse sistema é muito massivo (há bilhões ou mais massas solares) a distorção do espaço-tempo é muito grande que chega a provocar o fenômeno de lente gravitacional. É análogo a lente de óculos: a luz vem das galáxias lá atrás, o caminho é distorcido pelas galáxias (e talvez matéria escura; tema futuro) e a imagem é essa, como de alguém sorrindo. Veja que a “boca” do “rosto” é uma galáxia distorcida; aliás, é a luz que está distorcida.
Há outras comprovações da RG que não tratarei aqui. Uma é referente aos buracos negros que já tratei em 2 outras colunas (aqui e aqui). A questão das ondas gravitacionais é um tema mais amplo e precisará de uma coluna específica. Já a teoria do Big Bang vai merecer uma série inteira, pois tratarei de toda a evolução do universo em seus quase 14 bilhões de anos e da área onde a minha formação foi direcionada: cosmologia quântica, que é a subárea da cosmologia que trata “apenas” de processos físicos que fizeram o parto do universo. Claro, tanto aqui quanto na coluna sobre RE foquei apenas nas comprovações astronômicas e de física de partículas; há um desenvolvimento tecnológico gigantesco onde é utilizado a RE e a RG: GPS, telefonia celular e via satélite, internet, viagens espaciais etc.
Em resumo, a RG trata de fenômenos onde a massa é grande e, consequentemente, a gravidade é mais intensa, provocando distorção no espaço-tempo ao redor dos objetos astronômicos. As implicações dessa teoria vão desde a compreensão da fonte da gravidade a evolução do universo. Na questão teológica, nem é preciso destrinchar muito: basta ver a resposta de Deus a Jó.
Ou poderás tu ajuntar as delícias do Sete-estrelo ou soltar os cordéis do Órion?
Ou produzir as constelações a seu tempo, e guiar a Ursa com seus filhos?
Sabes tu as ordenanças dos céus, ou podes estabelecer o domínio deles sobre a terra?
Jó 38:31 – 33
Só isso?! Sim! Mas, ficou em dúvida, quer perguntar algo, deixar algum comentário ou sugerir algum tema, deixe abaixo! Ficarei feliz em te responder, seja nos comentários ou em algum artigo específico.
Sugestão de leitura
- Teoria da Relatividade Especial, por Gazzinelli, editora Blucher: um bom livro introdutório sobre relatividade especial;
- Fiz mestrado e doutorado na área de cosmologia quântica. Minha dissertação e tese tem capítulo específico sobre RG. Também escrevi um livro, fruto da dissertação. O título da dissertação é Cosmologia quântica na gravidade teleparalela, o da tese é Discretização da energia no universo primordial e o do livro é Cosmologia quântica na gravidade teleparalela: Proposta de soluções;
- A teoria da relatividade especial e geral, de Albert Einstein, editora Contraponto – livro que Einstein escreveu sobre suas teorias; está traduzido em português;
- Livro Teoria da relatividade geral: uma introdução por Alfredo Barbosa Henriques, editora IST Press;
- Um bom site sobre o eclipse solar visto de Sobra/CE: https://daed.on.br/sobral/;
- Um bom artigo sobre o princípio de equivalência: https://www.scielo.br/pdf/rbef/v41n3/1806-9126-RBEF-41-3-e20180329.pdf;
- Livro Astronomia e astrofísica, por S. O. Kepler e Maria de Fátima Saraiva. Este livro é disponibilizado no próprio site dos autores, que são professores da UFRGS. É um excelente material de consulta: http://astro.if.ufrgs.br/livro.pdf