Cosmologia: primórdios do Big Bang
No princípio criou Deus o céu e a terra.
Gênesis 1:1
Na coluna anterior mencionei sobre uma grande discussão que, na solução, modificou nossa forma de ver o universo físico. A medida das distâncias de nebulosas nos mostrou que o universo, na realidade, é muito maior do que pensávamos anteriormente. Em outras palavras: várias nebulosas (conjuntos de estrelas) são, na realidade, outras galáxias. Nos trabalhos de Hubble, astrônomo que fez essas medidas e encerrou a controvérsia de forma observacional, chegou até chamar essas nebulosas de universos-ilha. Tempos depois, nosso conhecimento cosmológico se consolidou e hoje sabemos que tudo é um universo, muito grande e cheio de galáxias.
As décadas entre 1910 e 1950 foram muito produtivas na física. Tivemos gigantescos desenvolvimentos: a controvérsia da coluna anterior e sua solução com Hubble, Relatividade Geral, desenvolvimento da mecânica quântica e da cosmologia, fora diversos outros avanços nas áreas de matemática que apoiaram a física. Só que essas histórias se cruzam constantemente e, como é na ciência, não há uma linearidade: o conhecimento é acumulativo e modificado ao longo do tempo. Por isso que nos textos que escrevo aqui no CosmoTeo tem muitas idas e vindas, historicamente falando, sempre com a perspectiva teórica dos nossos dias atuais. Com tudo isso em mente, vamos retornar para o fim da década 1910 e início dos anos 1920 para introduzirmos um dos maiores assuntos da cosmologia moderna (aliás, é a marca de início!), arrastou as maiores mentes físicas do séc. XX e até hoje há intensos debates e discussões, inclusive dentro da teologia bíblica: a teoria do Big Bang.
Antes, recapitular algo que você, leitor do CosmoTeo, conhece muito bem: conceito de teoria / modelo. Na ciência e aqui nas colunas, uso os termos teoria e modelo de forma intercambiável: teoria / modelo é um corpo de conhecimento que abrange matematização, explicação dos fenômenos observados e faz previsões. Ou seja, teoria não é o que o senso comum pensa: “ah, é apenas uma teoria” ou “tenho uma teoria sobre isso”. Da forma como estou trabalhando aqui, teoria científica é o último degrau no conhecimento sobre os processos de um fenômeno e é diferente de hipótese (um “chute” consciente e embasado para ser testado, podendo ser incorporado na teoria ou descartado. Se incorporado, se torna uma evidência) e de lei (descrição observacional e matemática de um fenômeno). Ou seja, teoria abarca hipóteses e leis, mas não há conexão entre elas com relação a “se tornar algo melhor ou pior”, subindo ou descendo de categoria. Resumindo, teoria científica engloba hipóteses que são testadas (sendo descartadas ou não) e leis (descrições fenomenológicas de eventos), e incorpora matematização, a maior quantidade possível de fenômenos em uma menor quantidade explicativa e previsão.
Nesses poucos anos, entre 1916 e 1922, há muita história. Não vou me prender a linearidade, mas aos conceitos físicos: você pode montar essa linha do tempo que tem muitos paralelos. Albert Einstein publicou diversos trabalhos e em 1916, a Teoria da Relatividade Geral (RG), que é uma generalização da Teoria da Relatividade Especial, é apresentada. A ideia é fazer uma teoria que seja aplicada a fenômenos que tenham gravidade (em termos técnicos: para referenciais não-inerciais onde há aceleração e força, como a gravitação). Mas, a sua fama como um dos maiores cientistas de todos os tempos só começa em 1919 depois da observação de uma estrela no eclipse solar, que foi até visto em Sobral/CE. Voltando um pouco, em 1917, depois de várias conversas com W. de Sitter (este publicou vários trabalhos com a RG), Einstein introduz, a mão, um termo chamado constante cosmológica: sua função original é deixar o universo estático, ou seja, sem crescer ou diminuir de tamanho, eternamente.
Em 1922, um físico russo, Aleksandr Aleksandrovich Friedman, encontra soluções das equações de campo da RG (nome técnico dado ao conjunto matemático da RG). Inicialmente, Einstein acha que estão erradas: Friedman aplicou a RG para o universo e viu-o que ele poderia ser homogêneo (distribuição de matéria, galáxias etc por todo o espaço uniformemente), isotrópico (tem a mesma aparência para todas as direções e não tem centro), finito e não eterno. Aliás, ele até poderia ser eterno, mas teria periodicidade de nascimento e morte: Friedman calculou para uma massa de universo específico um período de 10 bilhões de anos.
O padre jesuíta Georges-Henri Édouard Lemaître surge nesse contexto ao publicar um trabalho sobre o universo: utilizando a RG, as observações de Hubble e a física quântica, conclui que o universo pode ter tipo um começo em um estado muito quente, denso e com um tamanho volumétrico análogo a um ovo. Agora, tente imaginar os trilhões de galáxias, cada uma com bilhões de estrelas, planetas, poeira, gás (aliens?), tudo concentrado em um tamanho a um ovo. Isso seria, nessas contas teóricas até Lemaître, o início e a evolução do universo.
Apenas para concluir a história: até 1937, Robertson e Walker publicam outros trabalhos modelando o universo a partir da RG e de todos esses outros cientistas que citei anteriormente. No fim, temos uma teoria construída e que leva o nome de 4 físicos: Friedman, Lemaître, Robertson e Walker ou métrica de FLRW. Métrica é um termo matemático e essa métrica específica é uma equação que rege toda a evolução do universo. O nome desse conjunto de conhecimento, que abarca a RG, as observações de Hubble e a métrica de FLRW é teoria do Big Bang.
Sei que é muita coisa para absorver, mas farei um resumo. Ainda não detalharei toda a teoria do Big Bang, pois há mais desenvolvimentos históricos que merecem menção, como os trabalhos de Hoyle, o motivo desse nome (Big Bang), as brigas com o modelo estacionário (defendido Hoyle, Gold e Bondi) e os artigos que se referem à nucleossíntese cósmica (formação dos primeiros elementos químicos do universo):
- Einstein publica, em 1916, a RG: as equações de campo são aplicadas à campo gravitacional (referenciais não-inerciais);
- Depois de de Sitter, Einstein coloca a constante cosmológica nas equações de campo com a motivação de que o universo seja estático, finito e eterno;
- Em 1922, Friedman publica trabalhos, a partir da RG, onde demonstra que o universo pode “se mexer”: sair de um tamanho e ir para outro, maior;
- Lemaître entra com outros detalhes cosmológicos, baseando-se na RG e nas observações de Hubble, onde o universo pode ter tido um começo, com tamanho muito pequeno e toda a matéria condensada em um volume em estado muito quente;
- Robertson e Walker “finalizam” aquilo que chamamos de métrica de FLRW. A teoria do Big Bang (ainda não tinha esse nome) nasce: ao longo das décadas seguintes, ela vai sendo aprimorada e ajustes são feitos até os dias atuais.
Esse é o resumo histórico, até 1937, da teoria do Big Bang. Em linhas gerais, essa teoria (até aqui) vai nos dizer que o universo tem um começo, nasceu muito pequenininho (o universo inteiro!). Por ter nascido em escala atômica (ou como um ovo, se preferir), ou seja, toda a matéria concentrada em um volume muito pequeno, ele cresce. Esse crescimento chamamos de expansão normal, ou seja, há uma pressão gigantesca nesse pequenino volume (não esqueça que o universo inteiro, com trilhões de galáxias, está nesse volume). Essa pressão é a que impulsiona o crescimento do universo e, tempos depois do seu nascimento, a formação dos primeiros elementos químicos, dos primeiros átomos, das primeiras estrelas e galáxias.
Diante de tantas descobertas e observações, só posso tomar para mim as palavras do salmista:
Quão grandes são, Senhor, as tuas obras! Mui profundos são os teus pensamentos.
Salmos 92:5
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Sugestão de leitura
- Caso queira conhecer todos os trabalhos que Einstein publicou em vida, este site disponibiliza todos os artigos e cartas, relacionados com física, em inglês (Einstein era da Alemanha e quase tudo o que escreveu foi em alemão): https://einsteinpapers.press.princeton.edu/;
- Livro Astronomia e astrofísica, por S. O. Kepler e Maria de Fátima Saraiva. Este livro é disponibilizado no próprio site dos autores, que são professores da UFRGS. É um excelente material de consulta: http://astro.if.ufrgs.br/livro.pdf;
- Livro Alfa e Ômega: a busca pelo início e fim do universo, por Charles Seife, editora Roccomn. É um livro de 2007, está um pouquinho desatualizado com relação a dados (como bóson de Higgs e ondas gravitacionais), mas ainda é muito proveitoso e com uma didática muito boa;
- Livro Cosmologia física: do micro ao macro cosmos e vice-versa, por Jorge Horvath, German Lugones, Marcelo porto, Sergio Scarano e Ramachrisna Teixeira, editora Livraria da Física. Outro livro muito bom, um pouquinho técnico, mas nada que não possa ser resolvido por si mesmo. Está um pouquinho desatualizado com relação a dados por ser de 2011, porém, altamente recomendado;
- Prof. Alexandre Zabot, da UFSC, tem um curso gratuito de astrofísica geral excelente. Recomendo fortemente. Você assiste as aulas no YouTube, tem acesso ao material (slides, sites e alguns textos). Para todas as informações, links das aulas e materiais: https://astrofisica.ufsc.br/astrofisica-geral/.