Economia e Mercado

Sabedoria e conhecimento te são dados; e te darei riquezas, bens e honra, quais não teve nenhum rei antes de ti, e nem depois de ti haverá.

2 Crônicas 1:12

Nesta coluna pretendo fazer uma definição um pouco mais completa de economia e começar a conceituar o que é mercado. Digo começar porque, assim como acontece na Física, é difícil (ou impossível) esgotarmos um tema e seus conceitos vamos começar com a economia.

Como citei no texto anterior e de abertura do EconoTeo a economia tem diversas ramificações e conexões. Uma primeira definição de economia é olhar para a etimologia da palavra: do grego oikonomos e que tem uma tradução ou aplicação tendendo a administração de um lar, uma casa, no sentido mais amplo da expressão lar, e não somente de casa como uma habitação.

Outras definições melhoram um pouco mais, vão além desta simples e etimológica. Abaixo trarei algumas definições que são tratadas na academia (universidade, faculdade), a partir de livros-textos e, claro, farei alguns comentários. Na sessão Sugestão de leitura todas estas obras estarão descritas. Começando com 2 livros de Vasconcellos,


Economia pode ser definida como a ciência social que estuda como o indivíduo e a sociedade decidem utilizar recursos produtivos escassos, na produção de bens e serviços, de modo a distribuí-los entre as várias pessoas e grupos da sociedade, com a finalidade de satisfazer às necessidades humanas. Assim, trata-se de uma ciência social, já que objetiva atender às necessidades humanas. Contudo, depende de restrições físicas, provocadas pela escassez de recursos produtivos ou fatores de produção (mão de obra, capital, terra, matérias-primas). Pode-se dizer que o objeto de estudo da ciência econômica é a questão da escassez, ou seja, como “economizar” recursos.

Vasconcellos em Economia: micro e macro

Aqui o autor traz embutido uma ideia de sociedade que, como sabemos muito bem, é uma ideia puramente abstrata: não existe, fisicamente falando, um ser chamado sociedade que decide, faz e acontece coisas. É claro que o conceito e a ideia têm fundamento na sociologia, mas não no mundo prático em si. Em outras palavras, o que existe e o que molda o mundo físico em si é o indivíduo, uma pessoa, alguém que tem cérebro, raciocina e age. Essa definição de ação (e outras expressões que sempre deixo em negrito) trabalharei futuramente, principalmente tendo por base a obra Ação Humana de Mises.

O próximo texto onde aparece a definição de economia,


[É a] ciência social que estuda de que maneira a sociedade decide (escolhe) empregar recursos produtivos escassos na produção de bens e serviços, de modo a distribuí-los entre as várias pessoas e grupos da sociedade, a fim de satisfazer as necessidades humanas. Ou seja, é a ciência social que estuda como a sociedade administra recursos produtivos (fatores de produção) escassos.

Vasconcellos e Garcia em Fundamentos de economia

Aqui, como mencionei anteriormente, Vasconcellos e Garcia vão centralizar a economia na sociedade, esse ente abstrato sem contrapartida fora do mundo das ideias. Ignorando este termo e partindo para o indivíduo, que é a menor minoria da sociedade, esses autores tratam a economia como ela é: relação dentre indivíduos. Inclusive, como veremos em Mises, o fim da economia como estudo é a satisfação das necessidades humanas. Necessidade humana, tomando por base Mises, é a insatisfação ou desconforto. Mas isso não é de fonte biológica, mas de fonte racional.

Rossetti traz um esquema interessante das conexões da economia com outras áreas:

Fonte: Introdução à economia, Rossetti

E a definição que ele coloca é:


A economia é um estudo da humanidade nas atividades correntes da vida; examina a ação individual e social em seus aspectos mais estreitamente ligados à obtenção e ao uso das condições materiais do bem-estar.

Rossetti em Introdução à economia

Por último, que faz um excelente resumo, é a definição encadeada do prof. Ubiratan Iorio. Abaixo trago 3 trechos do maravilhoso livro Dez lições fundamentais de Escola Austríaca. Começando com o abaixo:


Ao nos decidirmos por uma das alternativas, estaremos agindo, realizando uma ação. Toda escolha, portanto, envolve uma ação correspondente. A economia nada mais é do que o estudo da ação humana, ou seja, ela estuda as escolhas que os indivíduos fazem, considerando que os meios ou recursos de que dispõem nunca são suficientes para satisfazerem todos os fins. Esse último fato é conhecido como escassez, ou seja, os meios sempre vão ser escassos quando comparados aos fins, o que significa, em outras palavras, dizer que não poderemos jamais realizar todos os nossos desejos, porque somos limitados pelos meios de que dispomos. A economia nos ensina as melhores formas de lidarmos com a escassez.

Iorio em Dez lições fundamentais de Escola Austríaca

Veja que ele começa a conectar economia com a ideia de escassez, ou seja, que há coisas (produtos ou serviços) escassos, finitos em quantidade ou disponibilidade. Depois, ele avança um passo:


A economia do mundo real, portanto, nada mais é do que o conjunto de todas as ações – compras, vendas, empréstimos, decisões de produção, de poupança, de investimento, etc. –, realizadas sob a forma de transações econômicas, que envolvam escolhas.

Iorio em Dez lições fundamentais de Escola Austríaca

Aqui já entra as coisas dentro de relações ou sofrendo ações: compra, venda, empréstimo etc. Fechando o circuito:


Podemos agora finalizar nossa definição de economia, escrevendo: a economia do mundo real, portanto, nada mais é do que o conjunto de todas as ações – compras, vendas, empréstimos, decisões de produção, de poupança, de investimento, etc. –, realizadas sob a forma de transações econômicas, que envolvam escolhas ao longo do tempo, realizadas em ambiente de incerteza genuína.

Iorio em Dez lições fundamentais de Escola Austríaca

Um último autor que merece destaque nessa definição de economia é o Alexandre Assaf Neto:


A economia estuda a riqueza, as transações de troca que se verificam entre as pessoas. Procura compreender a decisão de utilização de recursos produtivos escassos (terra, trabalho e capital), que carregam um custo de oportunidade, no processo de transformação e produção de diversos bens e serviços, e sua distribuição para consumo.

Alexandre Assaf Neto em Mercado financeiro

Vamos puxar a definição que propus no texto anterior e colocar a economia como sendo a ciência que estuda a alocação de recursos escassos com o objetivo de produzir bens e serviços a partir da ação humana. E nessa definição entra os recursos escassos, a comercialização (compra, venda, empréstimo, doação etc) e a fonte: a ação humana, que é racional e sempre está a procura de diminuir o seu desconforto (no sentido econômico).Vamos dar um passo a mais e ver a definição de mercado. Aliás, vamos começar com o que não é mercado. Mercado não é só a bolsa de valores de São Paulo, o mercado não é só financeiro, não é uma entidade centralizada que controla o mundo ou um grupo de pessoas ricas que ganham dinheiro sem fazer coisa alguma, não tem ideologia, partido ou age em favor de enriquecer fulano e empobrecer aquela “classe social”. Não, mercado não são essas coisas que citei anteriormente.

Para exemplificar com notícias atuais, do momento que escrevo esta coluna, o próprio presidente eleito do Brasil e que deve tomar posse no dia 01 de janeiro de 2023, disse no dia 10 de novembro de 2022 “Nunca vi um mercado tão sensível”. O jornalista e comentarista da Globo News, Octavio Guedes afirmou em um comentário também no dia 10 de novembro de 2022, no “Estúdio i”, que “O mercado é um ator bolsonarista”. Estes 2 pequenos e simples exemplos servem para demonstrar o quão pífio é a definição de mercado. E veja que não estou falando de um mero estudante de economia (eu); são expressões de jornalistas e de autoridades públicas.

Então vamos às definições, a partir também de livros textos da academia, de mercado. Começando com um tradicional autor, Mankiw:


Um mercado é um grupo de compradores e vendedores de determinado bem ou serviço. Os compradores, como grupo, determinam a demanda pelo produto e os vendedores, também como grupo, determinam a oferta do produto. Os mercados assumem diferentes formas. As vezes são altamente organizados, tais como os mercados de muitas mercadorias agrícolas. Neles, compradores e vendedores encontram-se em lugares e horários determinados, onde um leiloeiro ajuda a estabelecer os preços e a organizar as vendas.

Mankiw em Introdução à economia

Aqui está bastante claro. Podemos começar dizendo que mercado é um “local” (físico ou virtual) onde há grupos de compradores e vendedores ou, melhor dizendo, grupo de indivíduos que, de forma racional, espontânea e exercendo a sua liberdade, fazem negociações ou comercializações de itens ou serviços específicos. Vamos ver um outro autor, tradicional, para melhorar essa definição. Pindyck que traz a definição como:


Um mercado é, portanto, um grupo de compradores e vendedores que, por meio de suas interações efetivas ou potenciais, determinam o preço de um produto ou de um conjunto de produtos.

Pindyck em Microeconomia

Só complementando, uma reunião de pessoas (compradores e vendedores) se dá em um local, físico ou virtual. Alguns exemplos de mercado: mercado de petróleo, mercado de dólares, mercado financeiro (de forma geral), mercado educacional (sim, educação é um serviço ou, generalizado em termos econômicos, uma mercadoria) etc. Ou seja, qualquer reunião de pessoas que fazem comercialização de um determinado produto ou serviço em um local (físico ou virtual) é um exemplo de mercado de tal designação.

Agora, para fechar e dar aquela geral no termo, com maestria ímpar, Mises escreve:


A economia de mercado é o sistema social baseado na divis­­ão do trabalho e na propriedade privada dos meios de produção. Todos agem por conta própria; mas as ações de cada um procuram satisfazer tanto as suas próprias necessidades como também as necessidades de outras pessoas. Ao agir, todos servem seus concidadãos. Por outro lado, todos são por eles servidos. Cada um é ao mesmo tempo um meio e um fim; um fim último em si mesmo e um meio para que outras pessoas possam atingir seus próprios fins.

Este sistema é guiado pelo mercado. O mercado orienta as atividades dos indivíduos por caminhos que possibilitam melhor servir as necessidades de seus semelhantes. Não há, no funcionamento do mercado, nem compulsão nem coerção.

O mercado não é um local, uma coisa, uma entidade coletiva. O mercado é um processo, impulsionado pela interação das ações dos vários indivíduos que cooperam sob o regime da divisão do trabalho. As forças que determinam a – sempre variável – situação do mercado são os julgamentos de valor dos indivíduos e suas ações baseadas nesses julgamentos de valor. A situação do mercado num determinado momento é a estrutura de preços; isto é, o conjunto de relações de troca estabelecido pela interação daqueles que estão desejosos de vender com aqueles que estão desejosos de comprar. Não há nada, em relação ao mercado, que não seja humano, que seja místico. O processo de mercado resulta exclusivamente das ações humanas. Todo fenômeno de mercado pode ser rastreado até as escolhas específicas.

Mises em Ação humana

Para finalizar, quero terminar este texto conectando-o com a teologia. Aqui está bastante óbvio que não há mercado do Evangelho: com Deus não há negociação. Nós negociamos, nos mercados, produtos e serviços, mas não a fé, a salvação. Lembre-se do exemplo de Simão (Atos 8) que ofereceu dinheiro (comprador) aos apóstolos (vendedores) para comprar poder do Espírito Santo (mercadoria): tentou fazer mercado em algo impossível. E isso serve para nossos dias atuais, para pessoas que querem fazer “comercialização das coisas celestiais”:


Mas disse-lhe Pedro: O teu dinheiro seja contigo para perdição, pois cuidaste que o dom de Deus se alcança por dinheiro.

Tu não tens parte nem sorte nesta palavra, porque o teu coração não é reto diante de Deus.

Arrepende-te, pois, dessa tua iniquidade, e ora a Deus, para que porventura te seja perdoado o pensamento do teu coração;

Pois vejo que estás em fel de amargura, e em laço de iniquidade.

Atos 8:20-23

Ficou em dúvida, quer perguntar algo ou fazer alguma crítica / sugestão? Deixe nos comentários abaixo e terei o prazer em te responder aqui ou em algum artigo específico.

Sugestão de leitura

  • Bíblia versão Almeida Corrigida e Revisada Fiel ao Texto Original (ACF) da Sociedade Bíblica Trinitariana Ela pode ser encontrada via app para celular (Bíblia Fiel) ou pelo site https://www.bibliaonline.com.br/acf;
  • Sobre a temática mais inicial, um interessante livro é o do prof. Ubiratan Iorio: Des lições fundamentais de economia austríaca. Ele pode ser baixado gratuitamente no link https://d3ptueit7w3f7j.cloudfront.net/Livros/Dez+Li%C3%A7%C3%B5es+Fundamentais+da+Economia+Austr%C3%ADaca+-+Ubiratan+Iorio.pdf.
  • Fundamentos de economia. Marco Antonio Sandoval de Vasconcellos, Manuel Enriquez Garcia. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014;
  • Economia: micro e macro. Marco Antonio Sandoval de Vasconcellos. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2015;
  • Mercado financeiro. Alexandre Assaf Neto. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2018;
  • Introdução à economia. José Paschoal Rossetti. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2013;
  • Introdução à economia. Gregory N. Mankiw. São Paulo: Cengage Learning, 2013;

Microeconomia. Robert S. Pindyck. 8ª ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2013.

Gráfico do Ibovespa com as oscilações na parte da tarde do dia 14 de dezembro de 2022. Fonte: https://www.b3.com.br/pt_br/market-data-e-indices/servicos-de-dados/market-data/cotacoes/?symbol=IBOV
Dr. Alexandre Fernandes

Até a próxima!

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