Valor

E Simão, vendo que pela imposição das mãos dos apóstolos era dado o Espírito Santo, lhes ofereceu dinheiro,Dizendo: Dai-me também a mim esse poder, para que aquele sobre quem eu puser as mãos receba o Espírito Santo.

Atos 8:18,19

O tema da coluna de hoje do EconoTeo será sobre valor. Já adianto: hoje não falaremos sobre dinheiro, este será tema de outra coluna. E começando pelo começo: preço é uma coisa, valor é outra coisa e dinheiro não tem nenhuma relação intrínseca com qualquer um dos dois. Ah, e moeda é um outro quarto conceito completamente diferente de dinheiro, moeda, preço e valor.

Parece conversa de bar, mas é que no senso comum, no nosso dia a dia, sempre intercambiamos esses termos: tal coisa custa R$ 2,00, o valor daquele carro é R$ 50.000,00, o preço da viagem é R$ 15.000,00, aquele quadro tem valor sentimental e eu não vendo, um diamante para um viajante no deserto não tem valor, mas uma garrafa de água no mesmo local pode custar uma fortuna, e assim sucessivamente. Veja que nesses simples eventos utilizei a mesma moeda, a nossa moeda Real, além de uma intuição de valor, para “precificar” preço, valor e dinheiro. Em termos de senso comum, é tudo a mesma coisa. Mas não é, e dentro da economia é necessário separar bem esses termos para um melhor entendimento, principalmente de modelos econômicos, socialismo, comunismo, capitalismo, economia de mercado etc.

Se você acompanhou a coluna anterior onde trabalhei a ideia de ação humana, então intuitivamente já entende que valor é subjetivo: ele não é determinado pela quantidade de dinheiro, quantidade de trabalho em uma produção ou pela determinação de alguém. E a ideia de valor é tão importante no mundo da Economia que há teorias desenvolvidas ao longo do tempo. Aliás, a Economia, pode-se dizer de forma expansiva, começa com a ideia de valor ou valoração.

Vamos trabalhar com alguns exemplos e, no meio deles, vou inserindo as definições. Suponha que você esteja andando pelo deserto do Saara, durante o dia, sol esturricando mamona. Você encontra um local, um vilarejo isolado. Encontra uma vendinha e lá tem uma pedra de diamante e 1 garrafa de água gelada. No seu bolso há R$ 100,00 (suponha que lá aceite a moeda Real). Você está em um processo de desidratação severo. O vendedor te oferece o diamante e a água pelo mesmo valor monetário, R$ 100,00, mas você pode comprar apenas 1 objeto. O que você compra? Logicamente, até por uma questão de sobrevivência, você escolhe a água. É claro que você poderia escolher o diamante, mas o seu instinto de sobrevivência fala mais alto: o diamante não te ajudará a viver, mas a água salvará a sua vida. É um exemplo extremo, então vamos para um outro.

Suponha que você está no Zoológico de Brasília, passeando com a família. No zoológico, o clima é de cerrado: seco e muito quente. Como é um passeio com a família, a diversão é garantida: comidinhas, muita água para não desidratar e picolés. Andando pela área, você encontra um vendedor de picolé que está vendendo o produto a R$ 20,00/cada e é o único vendedor no local. Se você sair do zoológico, poderá encontrar o mesmo picolé por R$ 5,00, mas você terá que sair, se voltar pagará novos ingressos, tem o tempo e a distância de deslocamento (aqui em Brasília tudo é longe, da ordem de 10 km para qualquer coisa) e esse tempo leva, no mínimo, 1 hora. O que você faz: compra os picolés a R$ 20,00/cada ou sai para comprar em outro local?

É claro que você tem a opção de simplesmente não comprar o picolé no zoológico, combinar com a família e todo mundo ir para uma sorveteria depois do passeio. Veja há algumas escolhas e, dentro da Economia, elas servem para diminuir o desconforto ou atingir outro nível de satisfação. Agora, a sua decisão, livre e arbitrária, ao ser definida, é guiada por uma valoração, ou seja, naquele momento vale mais tomar tal decisão do que qualquer outra e o dinheiro gasto tem menor valor do que a decisão tomada.

Tem alguns detalhes que não trabalharei agora que são: custo de oportunidade, investimento, “preço” por aguardar uma oportunidade, taxa de juros, juros (taxa de juros e juros são objetos diferentes) etc. Esses termos (e outros) tratarei em outros textos. No meu simples entendimento de mero estudante, ainda, de Ciências Econômicas, considero estes temas derivados ou posteriores a valor.

Vamos mais devagar nesse mesmo exemplo do zoológico. Suponha que você escolha comprar 4 picolés no zoológico, R$ 20,00/cada, preço total de R$ 100,00. O que significa isso em termos de valor? Significa que, naquele momento, despender R$ 100,00 tem um valor menor do que qualquer outra decisão. Ou seja, o seu nível de satisfação ao gastar R$ 100,00 naquele instante é maior do que esperar até o fim do passeio ou qualquer outra opção que você tinha. E mais, talvez o mais importante: essa decisão é completamente subjetiva, ou seja, é única e exclusivamente sua; você tomou esta decisão baseada em fatores que unicamente você processou. Se a decisão foi correta ou não, não é escopo da Economia afirmar tal julgamento. Em termos econômicos, a sua decisão é única, exclusivamente sua e, naquele momento de decisão, ela diminuiu o seu desconforto ou aumentou a sua satisfação.

Veja que estou sempre usando duas palavras para objetivar decisão em valor: desconforto e satisfação. Na coluna https://horadeberear.com.br/2023/01/06/acao-humana/ anterior https://bit.ly/acaohumana trabalhei um pouco com essas palavras e, se você se lembra bem, elas estão no cerne da ação humana. Relembrando com Mises:

Qualquer ação é uma tentativa para substituir uma situação menos satisfatória por outra mais satisfatória.

A remoção de um desconforto pode ser maior ou menor; mas o quanto uma satisfação supera outra é algo que só pode ser sentido; não pode ser estabelecido ou determinado de uma maneira objetiva. Um julgamento de valor não mede; apenas ordena segundo uma escala, ou seja, gradua. Expressa uma ordem de preferência e sequência, mas não significa uma medida ou um peso. Somente os números ordinais podem ser aplicados, quando se trata de valor, e não os números cardinais.

Mises, Ação humana

Números ordinais expressão posições relativas entre objetos: 1°, 2°, 3° etc e números cardinais expressão valores absolutos: 1, 2, 3 etc. O que Mises está dizendo, em outras palavras, é que valor é um dado variável ou relativo entre possibilidades e nunca são valores absolutos. Ou seja, para você é melhor gastar R$ 100,00 em picolés dentro do zoológico naquele momento: em 1° lugar. Para mim, por exemplo, preferiria gastar os mesmos R$ 100,00 depois que saísse do zoológico, ou seja, isso para mim estaria em 2° lugar. Veja que o preço monetário é o mesmo para mim e para você, as opções também são iguais para nós 2, só que a valoração é diferente.

Novamente, não confunda desconforto ou satisfação “econômicos” com desejos humanos de fontes quaisquer. Apenas para fixar esta diferença:

Onde a praxeologia [ciência que estuda a ação humana] diz que o objetivo de uma ação é remover algum desconforto, a psicologia do instinto o atribui à satisfação de um impulso instintivo.

Mises, Ação humana

Em um outro trecho, na pág. 134, Mises coloca que a ação humana impelida pelo desconforto é futura:

A ação está sempre dirigida ao futuro; consiste essencial e necessariamente em planejar e agir com vistas a um futuro melhor. O objetivo da ação é sempre fazer com que as condições futuras sejam mais satisfatórias do que seriam sem sua interferência. O desconforto que impele um homem a agir é causado pela insatisfação com as condições futuras que provavelmente adviriam caso nada fosse feito para impedi-las. A ação só pode influir o futuro, nunca o presente, que a cada fração infinitesimal de segundo se transforma em passado. O homem adquire consciência do tempo, quando planeja converter uma situação presente menos satisfatória numa situação futura mais satisfatória.

Mises, Ação humana

Volte no exemplo da compra de picolés no zoológico. Qual o motivo de você adquirir os 4 picolés por R$ 100,00 dentro do zoológico, naquele momento? Por qual motivo você não quis esperar, por exemplo, terminar o passeio e ir a uma sorveteria perto da sua casa onde você compraria os mesmos 4 picolés não por R$ 100,00, mas por R$ 50,00? A resposta é que, com a finalidade de diminuir o desconforto e a insatisfação momentânea (seja lá qual o motivo “sentimental” da sua escolha), você vê que a satisfação e o conforto futuros são mais baratos que os R$ 100,00 de agora. Em outras palavras, você se satisfazer com a compra dos picolés no preço de R$ 100,00 é mais vantajoso do que esperar para depois, pois o valor da satisfação futura após tomar os picolés dentro do zoológico é maior do que a satisfação de tomar os picolés após o passeio.

Você age dessa forma fazendo um tradeoff, ou seja, escolhendo algo agora ao invés de outro. E a escolha depende da valoração que você faz. E o valor de algo é subjetivo e único para você.

Um outro trecho do maravilhoso livro Ação humana do Mises traz um ponto que trabalharei melhor futuramente e que dá motivos para a escolha que você fez agora ao invés de outra (no caso do zoológico, tomar picolés agora ao invés de depois do passeio):

Denominamos fim, meta ou objetivo o resultado que se pretende alcançar com uma ação. Estes   termos também são usados, habitualmente, quando nos referimos a fins, metas ou objetivos intermediários, ou seja, etapas que o agente homem quer atingir porque acredita que, dessa maneira, alcançará o seu fim, meta ou objetivo definitivo. Na essência, o fim, meta ou objetivo de qualquer ação é sempre aliviar algum desconforto.

Mises, Ação humana

Relembrando: ainda não tocamos nas temáticas custo, preço, dinheiro, moeda, custo de oportunidade, valor-trabalho etc. Ah, e a lei da oferta-demanda é outro assunto fundamental para a Economia, assim como juro, taxa de juros, lucro e prejuízo.

Então, para fixar ainda mais: cada pessoa atribui valor a um bem de forma subjetiva. E isso é de acordo com a situação, com as opções e com os gostos de cada um:

Ao fazermos a escolha, estaremos fazendo uma valoração, ou seja, atribuindo um determinado valor a cada uma das opções e escolhendo aquela que tiver o maior valor. Essa valoração é subjetiva, depende de nossos gostos e preferências, embora seja também influenciada pelos preços das alternativas e pelo próprio momento da escolha.

Iorio, Dez lições fundamentais da Escola Austríaca

Acredito que você tenha entendido esse simples e usual conceito de valor. Ele está no nosso senso comum bem estabelecido; o que fiz foi separá-lo de outros conceitos, como preço, dinheiro, moeda etc. Ainda trabalharei com outros conceitos, que você já conhece intrinsecamente (como troca).

E o conhecimento sobre valor dentro da relação de trocas é tão fundamental que praticamente deu origem a uma nova época na evolução das Ciências Econômicas. A área chamada Economia Política, que encerra sob si todo o conhecimento sobre as relações sociais de produção e distribuição de bens; no senso comum, toda a produção de bens e serviços ou, simplesmente, Economia. Essa nova época é conhecida como revolução marginalista.

O austríaco Carl Menger viveu entre 1840 e 1921
Fonte: https://www.geschichtewiki.wien.gv.at/Carl_Menger

A revolução marginalista é um período de desenvolvimento teórico dentro da Economia em meados da segunda metade do séc. XIX. William Jevon (1871), Carl Menger (1871) e Léon Walras (1874) publicam, independentemente, diversos trabalhos clássicos que embasam a Economia atual. Veja essa belíssima citação de Menger:

O valor dos bens está fundado na relação que têm com nossas necessidades, mas não nos próprios bens. Ao variar essa relação de interdependência, necessariamente surge ou desaparece o valor.

Menger, Princípios de economia política

Em um outro trecho, ele é mais incisivo:

Conclui-se, pois, que o valor não é algo inerente aos próprios bens; não é uma propriedade dos mesmos e muito menos uma coisa independente, subsistente por si mesma. O valor é um juízo que as pessoas envolvidas em atividades econômicas, fazem sobre-a importância dos bens de que dispõem para a conservação de sua vida e de seu bem-estar; portanto, só existe na consciência das pessoas em questão. É errôneo, pois, dizer que os bens são um valor, quando o correto é dizer que têm (ou não têm) valor; nessa linha, por vezes as pessoas falam de “valores”, como se estes fossem coisas reais e independentes – dessa maneira, os valores são como que “objetivados”, o que é errôneo. O que existe objetivamente são apenas coisas – ou, então, quantidades das mesmas; o valor dessas coisas é algo essencialmente diferente das mesmas – ou seja, é um juízo que as pessoas fazem sobre a importância que o dispor delas tem para a conservação de sua vida ou de seu bem-estar. A objetivação do valor dos bens – quando, na realidade, o valor é por sua própria natureza algo totalmente subjetivo – muito tem contribuído para gerar a conclusão existente quanto aos fundamentos científicos da Economia Política.

Menger, Princípios de economia política

Para fechar a história e o conceito de valor:

O valor de um bem, portanto, é, pura e simplesmente, a importância que damos ao atendimento de nossas necessidades, ou seja, à conservação de nossa vida e de nosso bem-estar.

Menger, Princípios de economia política

Alguns exemplos particulares para fecharmos a ideia de valor. Sou um simples colecionador de moedas, de metal e possuo uma pequenina coleção. Uma parte dela, relacionada a moeda Real:

Acervo particular

Estas moedas ainda têm valor monetário vigente: posso pegá-las e comprar pão, café etc. Mas, como faz parte da minha coleção, elas “não tem valor” comercial: não retiro-as do suporte para comprar arroz ou feijão. Um outro exemplo, particular e diferente:

Acervo particular

Esta é uma moeda de 200 réis. O verso dela tem a data:

Acervo particular

Esta é a peça mais antiga da minha singela coleção: uma moeda da época do Império do Brasil, 1871. Se eu for a padaria comprar balinhas com esta moeda, o que consigo é nada porque a nossa atual moeda é o Real (e não o Réis). Por outro lado, ela tem um gigantesco valor sentimental para mim; valor este que eu não coloco número monetário para venda.

Um último exemplo sobre moeda:

Acervo particular

O verso desta conhecida moeda é:

Acervo particular

Essa você conhece muito bem: é uma moeda normal, vigente, de R$ 0,50. Essa, em particular, não faz parte da minha coleção. Aliás, tenho uma moeda de R$ 0,50 na minha coleção que tem valor nulo comercial. Por outro lado, o valor comercial desta moeda da foto acima é o tradicional R$ 0,50: se eu for a padaria com esta moeda compro balinha, o comerciante recebe-a normalmente e me dá um produto que, para mim, tem um valor maior do que o valor comercial desta moeda corrente.

Para fechar, um outro exemplo, que envolve valoração comercial e “sentimental”. Hoje é domingo e almoçarei churrasco com meu pai. Tenho duas opções:

  • Sair da minha casa e ir a casa dele. No caminho, compro ingredientes: carne, carvão e refringente;
  • Ele sair da casa e vir para a minha. No caminho, ele compra os ingredientes: carne, carvão e refringente.

Suponha que eu escolha a primeira opção ao invés da segunda: acabei de fazer um tradeoff, uma escolha ao invés de outra. Em termos de valor, para mim é muito mais “caro”, no sentido de satisfação, de diminuição de desconforto, eu sair da minha casa, comprar os ingredientes e ir a casa dele. Monetariamente falando, estou gastando muito mais dinheiro, mas em termos de valor, suponha que eu gaste R$ 150,00, é “muito mais barato” eu gastar esse valor do que ele: a escolha e a valoração é subjetiva e pessoal.

O próximo passo para entendermos alguns conceitos, ainda basilares, em Economia é utilidade. Mas, se você já entendeu o conceito de ação humana e valor, intrinsecamente você já sabe o que é utilidade, utilidade marginal e utilidade total. Acredito que, caso você não seja da área da Economia e afins, nunca ouviu estes termos. Mas é o que você faz e executa diariamente, na tomada de decisões quase que momentaneamente.

Finalizando com teologia. Com toda essa ideia de valor temos a noção de que a morte de Cristo foi perfeita e impagável por qualquer pessoa. Aliás, qualquer um poderia pagar a sua salvação, mas o valor sempre seria menor que o valor exigido por um Deus perfeito.

E assim todo o sacerdote aparece cada dia, ministrando e oferecendo muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca podem tirar os pecados;

Mas este, havendo oferecido para sempre um único sacrifício pelos pecados, está assentado à destra de Deus,

Hebreus 10:11,12

Ficou em dúvida, quer perguntar algo ou fazer alguma crítica / sugestão? Deixe nos comentários abaixo e terei o prazer em te responder aqui ou em algum artigo específico.

Sugestão de leitura

  • Bíblia versão Almeida Corrigida e Revisada Fiel ao Texto Original (ACF) da Sociedade Bíblica Trinitariana Ela pode ser encontrada via app para celular (Bíblia Fiel) ou pelo site https://www.bibliaonline.com.br/acf;
  • Ação humana: um tratado de economia, por Ludwig von Mises. Você encontra esta obra gratuitamente no site https://www.mises.org.br/Ebook.aspx?id=44;
  • Dez lições fundamentais de economia austríaca, por Ubiratan Iorio. Você encontra esta obra gratuitamente no site https://rothbardbrasil.com/wp-content/uploads/arquivos/dez-licoes.pdf;
  • Princípios de economia política com introdução de F. A. Hayek, por Carl Menger. Este livro, até onde eu saiba, está esgotado. Você deve encontrar essa edição, em português, em sebos. Ela faz parte da coleção Os Economistas de 1983.
Dr. Alexandre Fernandes

Até a próxima!

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