A origem da água na Terra
E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas.
Gn 1:2
O assunto de hoje será sobre o elemento mais abundante do corpo humano e da superfície da Terra: água. O verso, como está acima, já começa com a Terra já pronta e com água. E, infelizmente (ou felizmente, pois dá mais pesquisa), a Bíblia não dá origem sobre o líquido do verão. Já a ciência tem feito muito trabalho para tentar localizar a origem da água na Terra e é nessa direção que quero te mostrar hoje: algumas linhas de pesquisa, passando por cometas, asteroides e na formação da Terra e Lua. Não mencionarei sobre a origem da água no universo, mas você pode ler aqui: um grande reservatório de H2O descoberto em uma galáxia muito distante. Destaque: 140 trilhões vezes mais água do que a Terra (não é 140 trilhões de litros!). Também, não será aqui que trataremos do fim (ou foi um fim?) da Terra por dilúvio; tema de outra coluna. Antes, algumas características físicas desse material tão precioso.
Começando com sua composição: hidrogênio (H) e oxigênio (O). Na imagem acima está representado como elétrons (-) e prótons (+, 8+). O hidrogênio tem apenas 1 próton e o oxigênio, 8. Lembrando que esta figura é apenas uma representação: átomos não são bolinhas ou compostos por bolinhas; elétrons e prótons também não são bolinhas. A forma de interação ou compartilhamento de camadas (veja que há um cruzamento na linha dos elétrons do H e do O) é apenas representativa: pela mecânica quântica, o modelo atômico que temos é de nuvens de probabilidades onde elétrons e prótons podem estar. Mas, para o nosso objetivo, que é mais visual, é uma boa imagem.
O que determina um elemento químico é o número de prótons. Mas, você pode ter um mesmo elemento químico com massa atômica (a soma de prótons e nêutrons no núcleo do átomo) diferente. Por exemplo, deutério é um tipo de H (chamado H pesado) formado por 1 próton (que caracteriza o elemento químico H) e 1 nêutron. A água pesada é uma substância formada por esse tipo de H: óxido de deutério.
Algumas propriedades físicas da água, muito bem conhecidas, são: temperatura de fusão (0º C), temperatura de ebulição (100º C) e densidade de 1 kg/l; claro que esses detalhes variarão conforme a pressão atmosférica. Mas só aqui já há um detalhe interessante: há uma margem muito grande de temperatura onde a água fica em estado líquido; não há outro concorrente nas mesmas condições físicas.
Um outro detalhe interessante é sua densidade com relação a sua temperatura: isso permite, entre outras características, que você ande por cima do gelo e alguns centímetros abaixo, animais nadando. Por exemplo, em Encelado, uma das luas de Saturno, há uma espessa camada de gelo, na superfície e um oceano gigantesco, no interior, de água líquida. Além de água, ela também tem compostos orgânicos e será um dos destinos a se procurar vida.
Europa, outra lua de Júpiter, tem essas mesmas características.
Há diversas outras características gerais que você pode ter uma ideia bem panorâmica na Enciclopédia Britânica. Também há um outro texto, capítulo 11 do livro O ajuste fino do universo: em busca de Deus na ciência e na teologia, onde McGrath vai detalhar alguns pontos relacionando a água e as implicações que isso pode ter com a teologia natural (outro excelente assunto a ser discutido posteriormente); a referência detalhada está no final.
Antes de falar sobre a origem da água na Terra é necessário conceituar 2 objetos: cometas e asteroides. O primeiro é um corpo de tamanho, relativamente dentro do sistema solar, pequeno. Ele é composto de um núcleo (gelo, poeira, pedaços de rochas), um coma (uma espécie de atmosfera ao redor do núcleo composto de gases e poeira que estão “vaporizados”) e uma calda (gases e poeira “esticados”, quando o cometa se aproxima do Sol). A maioria são originários do sistema solar (cinturão de Kuiper e nuvem de Oort; em outra oportunidade explicarei melhor sobre essas regiões).
Já os asteroides são corpos rochosos, mas que não tem material volátil (elementos químicos que evaporam mais facilmente) o suficiente para formar um coma e uma calda, como os cometas. Sua principal origem é do sistema solar, no cinturão de asteroides (região entre Marte e Júpiter).
Meteoro é um outro termo muito utilizado na astronomia e que significa, basicamente, um evento luminoso: a famosa estrela cadente; é apenas um corpo rochoso e que dá esse efeito luminoso (como as chuvas de meteoros, que são regiões de fragmentos de asteroides ou cometas) quando adentra na atmosfera da Terra. Meteorito é um objeto rochoso que chega a atingir o solo. Um texto bem simples sobre a diferença entre meteorito, meteoro, cometa e asteroide pode ser lido aqui.
Uma forma de se conhecer a origem de uma substância é comparar os elementos químicos com seus isótopos (mesmo elemento químico, mas que tem uma quantidade maior de nêutrons). Fazendo isso com os isótopos do hidrogênio (deutério) em diferentes materiais (cometas, asteroides, poeira trazida da Lua na época da missão Apollo), além de outras medidas geológicas, conseguimos rastrear o caminho até sua fonte mais primordial. Veja que é um trabalho muito parecido com os detetives em uma cena de crime, mas aplicado a natureza: isto é um cientista!
Há diversas pesquisas, perdurando por várias décadas, tentando verificar a origem da água na Terra. Não é um assunto fechado (por isso a pesquisa!); delinearei em alguns trabalhos de 2011 para cá, que acho mais relevante. Até esse período um dos modelos mais populares entre os cientistas era de que cometas ou meteoritos primitivos continham vários elementos químicos (hidrogênio, carbono, gases nobres, nitrogênio e outros) e que, nos primórdios do sistema solar, contribuíram para a formação da Terra. Em outras palavras: a nuvem protossolar que formou o Sol e os planetas, tinha todos esses componentes. Depois da formação da nossa estrela principal, os restos (poeira, gases e cometas) começaram a se aglutinar na formação da Terra. Os cometas começaram a bombardear a prototerra com todos os seus componentes, incluindo a água. Isto poderia dar ao nosso planeta cerca de 90% do volume de água vindo apenas de cometas; os outros 10% também viriam de cometas, mas de regiões mais remotas do sistema solar. O artigo, técnico, de Bernard Marty, pode ser visto aqui. Outro interessante trabalho sobre este detalhe, é de Hartogh & Cia, que pode ser visto aqui e o artigo, técnico, aqui.
Mas, o reinado dos cometas como explicação de fonte de água da Terra foi abalado pelos asteroides. Utilizando a relação do deutério (isótopo do hidrogênio encontrado em cometas) e o hidrogênio (fator D/H) da água na Terra, vários cientistas observaram a impossibilidade, dentre outros pontos, da água advir das “pedras de gelo suja”. Outros modelos, com origem em asteroides, foram melhor evidenciados em vários trabalhos, como de Alexander & Cia (texto comentando aqui) e o artigo, técnico, aqui; há também simulações computacionais (essências a ciência atualmente). Uma dessas, inclusive, tem participação de brasileiros (veja aqui a reportagem e o artigo, técnico, aqui): água com origem cometária chega, no máximo, a 30%, sendo os asteroides as maiores fontes (com mais de 50%), seguida da nebulosa protoplanetária (20%).
Para molhar ainda mais a hipótese cometária os trabalhos feitos com a missão Rosetta, que estudou o cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko. Com as análises da sonda que pousou no cometa, foi verificado que a composição do fator D/H (aquela relação entre deutério e hidrogênio) não suportava a origem da água terrestre como vindo de cometas. Por outro lado, a Terra passou por um período, em seu início entre 4,6 e 3,9 bilhões de anos atrás, que chamamos de bombardeio pesado tardio: grande quantidade de rocha espacial, com diversos componentes incluindo água, se chocando com a prototerra influenciando, inclusive, na origem e evolução da vida aqui. Nas referências deixarei alguns links caso você queira ver mais detalhes, incluindo artigos técnicos.
Outra linha, dentro dessa estrutura que proponho (e não por ordem cronológica ou histórica), a origem da água pode ter vindo da grande nuvem de poeira e gás protoplanetária que formou todo o nosso sistema solar. Ou seja, a nuvem já tinha as moléculas de água que formou, não só aqui, mas em várias outras luas do sistema solar. Nas referências há 2 trabalhos, técnicos, muito bons para ampliar esta ideia.
Por último, a água terrestre pode ter sua origem na formação da Terra e da Lua: um planetoide (planeta pequeno) chamado Theia, teria se chocado com a prototerra. Escrevi sobre a formação da Terra e mencionei sobre essa teoria; confira aqui. Os detritos do impacto de Theia com a Terra deram origem a Lua e uma grande quantidade de água foi depositada em nosso planeta. A evidência, desta pesquisa, advém da análise de molibdênio e seus isótopos. Você pode ler mais na Scientific American Brasil e o artigo, técnico, aqui.
Resumindo, há várias linhas de pesquisa que tratam sobre a origem da água na Terra: cometas, asteroides, nuvem protoplanetária e choque da prototerra com Theia. Ou, se preferir, uma junção de cada parte (que é o mais provável, para mim). Isto quer dizer que, quando o texto de Gênesis menciona sobre as águas na Terra, não há intenção em dizer a fonte ou o processo de criação; apenas que a água, essencial a vida terrestre, também é criação de Deus.
Observe, por exemplo, em outras mitologias, como a egípcia e as cananeias. As águas primordiais são a fonte dos deuses, ou seja, eles emergem das águas caóticas e infinitas. Agora, compare com o texto bíblico: o Criador não emerge de águas caóticas; Ele está além da criação. Outro pensamento que está na cabeça do escritor de Gênesis: Deus reorganiza a Sua criação das forças do caos (exemplo de Beemote e Leviatã). Mas este assunto é para outro momento.
Só isso?! Sim! Mas, ficou em dúvida, quer perguntar algo, deixar algum comentário ou sugerir algum tema, deixe abaixo! Ficarei feliz em te responder, seja nos comentários ou em algum artigo específico.
Sugestão de leitura
- Artigo de 2018, técnico, sobre a descoberta de macromoléculas orgânicas nas águas de Encelado, lua de Saturno: https://www.nature.com/articles/s41586-018-0246-4;
- Em 2019 houve outra pesquisa sobre as plumas de água em Europa, lua de Júpiter (artigo técnico): https://iopscience.iop.org/article/10.3847/2041-8213/aafb0a/pdf;
- O ajuste fino do universo: em busca de Deus na ciência e na teologia, de Alister McGrath. Série Ciência e fé cristã, editora Ultimato com parceria da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência ABC2;
- Trabalho, técnico, sobre o 67P/Churyumov-Gerasimenko: https://science.sciencemag.org/content/347/6220/1261952.abstract;
- Sobre o LHB (Bombardeamento Pesado Tardio), recomendo estes trabalhos para uma ideia maior deste período: https://www.nature.com/articles/nature03676, https://www.space.com/2299-insight-earths-early-bombardment.html, https://www.nature.com/articles/ngeo1885.pdf e, contestando este período, ao se analisar argônio da Lua (da missão Apollo): https://www.pnas.org/content/113/39/10802;
- Sobre a origem da água terrestre do disco protoplanetário do sistema solar, sugiro estes 2 trabalhos, técnicos: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0019103514005545 e https://link.springer.com/article/10.1007/s11214-018-0475-8.
Até a próxima!