A formação Terra

Onde estavas tu, quando eu fundava a terra? Faze-mo saber, se tens inteligência.

Jó 38:4

O livro de Jó é um dos mais antigos textos da Bíblia. Há várias discussões sobre a autoria e data de escrita. Como é um texto poético, cheio de literaturas que remontam até antes da constituição política de Israel e mitos, há muito ensinamento, princípios e diretrizes divinas. Afinal, é um texto inspirado por Deus, seja lá quem for o escritor original. E este verso acima traz uma discussão interessante que será tema de hoje: a fundação do nosso planeta.

Há muitas maneiras de se discutir a formação da Terra: contexto cosmogônico, literatura bíblica e investigação científica atual. Em outra oportunidade, explicarei a parte literária que a Bíblia fala sobre a Terra, a cosmologia que os povos do Antigo Oriente Próximo e Israel do AT / NT tinham em mente ao escrever o texto sagrado. Spoiler: apesar de acreditarem (devido a sua experiência) que a Terra era plana (e isso é colocado no texto como conhecimento prévio do leitor original), a Bíblia NÃO ensina que a Terra é plana; obviamente ela não é plana por milhares de observações e experimentos terrestres, além de outras investigações astronáuticas.

Por agora, quero apresentar a formação da Terra a partir do contexto cosmológico. Apenas uma delimitação: como todos os textos que escrevo, este também será bem panorâmico. E me restringirei ao período de formação terrestre; a formação do nosso sistema solar, da nossa galáxia e do nosso universo é uma outra discussão.

Antes, uma palavrinha sobre o tempo. A escala temporal que trabalhamos com paleontologia, geofísica, astronomia e cosmologia é descomunal em relação ao nosso curto período de vida. A própria arqueologia já trabalha com escala de milhares de anos, se tomamos o período neolítico que vai desde uns 9 mil anos a 4.500 anos atrás. A escala de tempo da formação do planeta está em bilhões de anos: há uns quase 5 bilhões. Como tudo é convencionado para efeitos de padrão, abaixo está uma figura onde dividimos o tempo, na Terra, e comparamos com um tempo de 24 horas:

Veja que, por esta escala, a Terra tem ~ 4,5 bilhões de anos (o símbolo ~ significa aproximadamente; as datas e distâncias nunca são exatas). Há diversas métodos para datar a Terra: estratigráficos, paleontológicos e geocronológicos. Cada um destes, tem vários parâmetros, ajustes e medidas a serem feitos. Um interessante e completo artigo sobre este assunto está aqui. Detalhe importantíssimo: o tempo de meia-vida (parâmetro de decaimento) do carbono 14 (o famoso C14) é de apenas 5.730 anos, ou seja, é impossível datar a Terra ou objetos que tenham, por exemplo, mais de 100 mil anos. Em outra oportunidade falarei sobre métodos de datação em geral, aplicado a Terra, ao sistema solar e ao universo.

Com relação à estrutura do nosso planeta, esta são as grandes divisões:

Cada parte ou camada tem uma composição geoquímica. Nesta imagem há uma boa aproximação, global, dos componentes:

Fonte: http://portal.virtual.ufpb.br/biologia/novo_site/Biblioteca/Livro_1/3-Fundamentos_em_Geologia.pdf, pág 156

Como a nossa casa terrestre se formou? Dado toda essa composição e idade os geofísicos, em conjunto com os astrofísicos e astrônomos, trabalham com vários modelos. O mais completo que temos e que é abarcado por observações do ESO (Observatório Europeu do Sul) é que a Terra, em conjunto com todos os outros planetas, cometas, luas, asteroides e objetos do sistema solar, nasceu no mesmo local e mais ou menos na mesma época.

Uma grande nuvem de gás e poeira, com a composição de todos os elementos químicos que temos na tabela periódica (só os 92 primeiros, que são naturais), se aglutinou e formou todo o sistema solar. Inicialmente os elementos químicos mais leves se juntaram e formaram uma protoestrela. Com processos termonucleares, esse objeto “se liga” (começa a fazer processos de fusão nuclear) e começa a brilhar: temos a nossa estrela, o Sol. Depois, por atração gravitacional exercida pelo Sol, outros elementos químicos começa a se aglutinar e formar objetos maiores: planetas.

Esse modelo (que tem muito mais detalhes do que essa simplificação) é suportado por observações astronômicas em outros sistemas planetários. No deserto do Atacama, Chile, está um conjunto de 66 antenas. O ALMA, Atacama Large Millimiter/submillimiter Array trabalha desde 2011 tirando fotos de vários exoplanetas em diversos estágios de desenvolvimento (além de outras pesquisas).

Este sistema planetário, ainda em formação, tem um disco protoplanetário e que se transformará em um sistema com planetas. No centro há, ainda em formação, da estrela ou “futuro Sol”. Ele tem apenas 1 milhão de anos de idade (o nosso, mais de 4,5 bilhões de anos) mas que já tem (os anéis) a formação de futuros planetas:

Formação estelar Ophuchus, a 410 anos-luz de distância

Fonte: https://www.eso.org/public/brazil/images/potw1809a/

Ao redor da estrela anã PDS 70 já vemos um planeta, bem destacado à direita, ainda em formação:

Há diversas outras imagens reais de sistemas planetários em formação, em diversos estágios em conjunto com sua protoestrela / estrela. Uma última imagem mostrando 20 sistemas protoplanetários em plena formação; todos eles perto de nós, ou seja, dentro da nossa galáxia:

Fonte: https://www.eso.org/public/brazil/images/potw1904a/

Depois do início da formação do protoplaneta Terra, ou seja, após a aglutinação de elementos químicos mais pesados, diversos processos físicos são desencadeados. A junção de gás e poeira vai deixando a “bolinha” cada vez maior (lembre-se da equação da lei de gravitação universal de Newton: quanto mais massa e menor distância entre corpos, maior é a força gravitacional) até a formação do protoplaneta. Depois, há diversos bombardeamentos de cometas e asteroides, além de processos nucleares de fissão e pressão gravitacional. O protoplaneta está muito quente, análogo a larva de vulcão; ainda se formando.

Nesse meio tempo, nossos modelos dão conta de que um corpo, do tamanho de Marte, Théia, se choca com a prototerra, espalhando detritos na órbita e que, futuramente, formará a nossa belíssima Lua:

Concepção artística sobre a formação da lua a partir do choque de outro corpo

Fonte: https://supernova.eso.org/exhibition/images/0208_B_moon_formation_GG/

Aqui, já temos os detritos e, análogo a formação de um sistema planetário (força gravitacional, dentre outros processos), a formação da Lua:

Concepção artística da formação da Lua por acreção de detritos após o impacto Fonte: https://supernova.eso.org/exhibition/images/0208f_moon_formation_accretion/

Depois de todo esse período inicial caótico, o protoplaneta começou a se esfriar e a crosta (o chão que pisamos) ficou mais firme. Observe que o interior da Terra ainda é muito quente devido a pressão e a temperatura. E a crosta terrestre não é completamente uniforme: temos morros, montanhas, vales, depressões e diversos outros tipos de relevos, inclusive debaixo de água (rios, mares e oceanos). Além de tudo isso, a crosta mais se parece a uma casca de ovo cozido quebrada: placas tectônicas (este assunto tratarei mais quando falar sobre vulcanismo). O interior tem uma espécie de fluido, magma, que contém diversos elementos químicos e rochas derretidas em uma temperatura acima de 1.500º Celsius e alta pressão. Devido ao movimento de cargas elétricas, desses compostos químicos, a Terra fica parecendo um grande imã, com um grande campo magnético (outro assunto que tratarei um pouco mais quando mencionar sobre inversão de polos magnéticos).

Toda essa história de formação já vai para mais de 4,5 bilhões de anos. Há muito mais detalhes, mas o panorama é este: a Terra se forma a partir de detritos de uma grande nuvem de gás e poeira, um pouco depois do início da formação do Sol e em conjunto com os outros planetas. Uma grande bola, que é um conjunto de pequenas rochas, poeira e gás, se aglutina devido a força gravitacional e a choques. Seu início é muito quente mas vai se esfriando. Nesse meio tempo, há um choque muito grande e os restos desta colisão dão origem a Lua. Ao passar de alguns milhões de anos, a crosta já está firme, mesmo com intenso vulcanismo, e já se tem a formação da atmosfera e o desenvolvimento da vida.

Será que Jó tinha esse conhecimento relatei aqui? A gente pode tirar esse conhecimento científico de formação da Terra de Gênesis 1 ou inferir através de toda a Bíblia? Óbvio que não, pois o texto sagrado não ensina sobre conteúdos científicos. Aliás, essa separação metodológica é muito recente. A preocupação do texto bíblico, conforme podemos acompanhar em todo o livro de Jó e Gênesis, por exemplo, não é de ensinamento sobre a fundação da Terra. Parafraseando Calvino, Deus acomodou a Sua revelação especial (a Bíblia) ao conhecimento humano da época e a Sua intenção era se revelar como o Criador e o Sustentador. Se a gente tomar ao pé da letra, com nossa cabeça científica de século XXI todo o texto bíblico, quase nada aproveitaríamos. Mas, como a mensagem eterna, que é transcendente ao tempo, as culturas e as localizações geográficas, temos nosso alimento espiritual garantido e muito bem dirigido, como diz o salmista:

Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranquilas.

Sl 23:2

Só isso?! Sim! Mas, ficou em dúvida, quer perguntar algo, deixar algum comentário ou sugerir algum tema, deixe abaixo! Ficarei feliz em te responder, seja nos comentários ou em algum artigo específico.

Sugestão de leituras

Dr. Alexandre Fernandes

Até a próxima!


Imagem da capa: formação planetária em torno da estrela TW Hydrae.

Fonte: https://www.eso.org/public/brazil/news/eso1611/

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