Relatividade: tempo e espaço nas mãos de Deus – parte 1
Mas, amados, não ignoreis uma coisa, que um dia para o Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia.
2 Pedro 3:8
A coluna de hoje será uma reflexão sobre um dos temas mais complicados de se entender: relatividade de Einstein, que está dividida em Relatividade Restrita ou Especial (RE) e Relatividade Geral (RG). Muitas pessoas quando leêm sobre ou quando alunos de universidade se deparam pela primeira vez com esse tema dá um nó na cabeça. E isso decorre por causa da nossa mente e da forma como olhamos o mundo: vemos as réguas com tamanhos fixos, nossos relógios funcionam ao passo normal para nossa mente e nossas velocidades são muito baixas em relação a velocidade da luz.
Tentarei ser o mais claro possível nessa temática relativística. Já adianto que relatividade física (RE e RG) não tem qualquer conexão com o relativismo moral ou a pós-modernidade. Como sempre, deixarei na sessão de sugestão de leitura várias fontes para ampliar este assunto. E, também como sempre, te convido a deixar nos comentários qualquer dúvida / crítica, da mais simples ou mais complexa, podendo te explicar por aqui mesmo ou até transformá-la em uma coluna com mais detalhes.
Uma rápida contextualização. No final do séc. XIX a física estava em seu auge de explicações fenomenológicas do mundo. Já se tinha passado por revoluções industriais, como em 1750 e 1850, devido, dentre outros fatores, a pesquisas teóricas e experimentos com alto sucesso. Há até uma lenda de que o grande lorde Kelvin, uma das figuras mais basilares da física e criador da escala kelvin de temperatura, teria dito em uma palestra cheia de estudantes e pesquisadores de que não há nada mais a ser descoberto na física: havia apenas 2 pequeninas nuvens no céu claro e límpido que precisariam ser dirimidas. Ou seja, seria praticamente o fim da física, deixando-a como uma área apenas a ser melhorada nas medidas e desenvolvimento tecnológico. As 2 pequenas nuvens se tornariam as grandes áreas da física no séc. XX: a relatividade e a mecânica quântica, sendo que esta última será tratada em outra coluna.
O problema com a nuvenzinha da relatividade é que havia algum problema com o eletromagnetismo no fim do séc. XIX. Este problema era uma incompatibilidade teórica e até experimental entre as leis de Newton e a velocidade da luz (de 300 mil km/s). Esse tipo de problema decorre de alguma incompreensão na natureza: as leis de Newton estavam muito bem estabelecidas por mais de 200 anos e a recém descoberta do eletromagnetismo estava muito bem testada, inclusive em escala industrial. A solução, sintetizada por Einstein em 1905, trazia a velocidade da luz (no vácuo) como imutável e constante. A outra parte da solução é que as leis da física são as mesmas em qualquer lugar do universo. Parece uma solução simples de entender, mas traz mudanças profundas na nossa compreensão de espaço e tempo.
Como sempre tento fazer, as colunas têm por objetivo de serem claras, sem discussão teórica a nível de equações. Mas, vez e outra é necessário trazer alguma equação e sempre procuro as mais simples ou alguma que tenha valor apenas representativo e que seja possível qualquer pessoa utilizá-la no contexto que estou me referindo. Por exemplo,
onde:
- v = velocidade;
- s = espaço;
- t = tempo;
Nessa equação, querendo saber a velocidade média que percorri, por exemplo, basta pegar o espaço percorrido e dividir pelo tempo gasto na viagem. Se eu fiz uma viagem de 120 km e gastei 2 horas, então a velocidade média foi de 60 km/h. Posso mexer nessa equação em diversas formas, como achar o tempo percorrido em uma dada velocidade e espaço ou quanto percorro andando a uma tal velocidade por tanto tempo.
Suponha que você tenha a mesma velocidade. Isso significa que você terá que mexer no s ou no t de tal forma que o v permaneça constante. Por exemplo, de Brasília a SP são 1.000 km. Se eu caminhar esta distância a 60 km/h gastarei quase 17 horas no percurso. Se eu quiser andar por 3 h com a mesma velocidade percorrerei apenas 180 km. Ou seja, com a velocidade constante sempre alterarei a distância ou o tempo.
Vamos fazer um outro exercício que vem da parte experimental. Tome a velocidade da luz (representada pela letra c) como constante e igual a 300 mil k/s (isso é 7,5 voltas ao redor da Terra!). Observe uma partícula chamada múon. Essas partículas tem um tempo de meia-vida de 0,0000029 s (2,9.10-6 s), ou seja, depois de passar esse minúsculo tempo o múon morre (decai para outra partícula). A sua velocidade é de 99,8% da velocidade da luz, ou seja, 0,998c. Esse tempo e essa velocidade são bem conhecidos e medidos em laboratório. Fazendo as contas usando a equação lá em cima, depois de percorrido cerca de 658 m em um tempo de 2,9.10-6 s e viajando a 0,998c, o múon morre.
Múon é um tipo de partícula que, naturalmente, tem a sua fonte do espaço e nasce a uma altura aproximada de 10 km. Pelas contas que fizemos acima, ele morre depois de ter percorrido quase 660 m, ou seja, a uma altura de quase 9,4 km. Em outras palavras, abaixo de 9 km não é para detectarmos nenhum múon vindo do céu. Mas, detectamos múon em terra, ou seja, depois de 10 km de altura.
A velocidade da luz, como está na relatividade, é constante (invariável). E, como a gente viu na equação lá em cima, quando v é constante, temos que mexer no s ou no t. Ou seja, para que a velocidade da luz permaneça constante o espaço s e/ou tempo t são alterados. Isso significa que o espaço pode se encurtar e o tempo pode se dilatar. Veja que não me refiro, aqui, a um espaço menor (menos metros) ou mais tempo (mais segundos). Aqui a expressão é literal: o espaço é encurtado e o tempo é dilatado.
Na prática, isso significa que 2 pessoas observam o mesmo fenômeno e discordam do tempo / espaço (com a velocidade da luz sendo constante). Voltando no exemplo do múon. Para o múon, no seu relógio passou 2,9.10-6 s e ele percorreu os mesmos 658 m. A vida do múon não foi alterada e suas medidas continuam as mesmas. Mas, eu medi o tempo de vida do múon em 34,75.10-6 s (0,0000034 s) e ele andou realmente os 10 km. Pois o vi nascendo na atmosfera a 10 km de altura e também o vi morrendo na superfície terrestre. Quem está certo: eu, que vi e fiz as medidas ou o múon, que tem esses parâmetros de velocidade e tempo de meia-vida fixos? Os dois estão certos. Como isso é possível?
A resposta está que o tempo foi dilatado e o espaço encurtado para o múon. Não é que ele mediu uma quantidade de tempo diferente do que ele sempre viveu; não. O tempo de vida dele em relação ao aparelho de medida em terra foi dilatado. Parece fora do senso comum (e é!), mas este tipo de experimento é real: descrevi um fenômeno que é corriqueiro no mundo das partículas nos laboratórios de física.
Sei que é estranho falar de dilatação temporal ou contração espacial, até parece com ficção científica. Realmente é estranho e contra o senso comum do nosso mundo clássico do dia a dia. Mas, é exatamente isso que acontece e, detalhe: esse desenvolvimento surgiu primeiramente na física teórica, na matemática que Einstein colocou no artigo publicado em 1905. Anos depois foi comprovado e até hoje podemos reproduzir experimentos e observar fenômenos de diversas formas e em vários locais.
Para os aficionados em física ou que verão física moderna na faculdade: a matemática destes pontos estão em quadrivetores e nas transformações de Lorentz.
Um último ponto também estranho para o senso comum tem a ver com a questão de olhar para o passado. A velocidade da luz é o limite máximo para qualquer objeto e nenhum pode ultrapassar. Em outras palavras, nenhum objeto físico pode ultrapassar a velocidade da luz e somente objetos sem massa de repouso (como fótons, que são partículas da luz) podem viajar exatamente na velocidade da luz. Ou seja, não existe velocidade instantânea: tudo leva um tempo para percorrer qualquer distância.
Por exemplo, o Sol está a cerca de 150 milhões de km e a sua luz demora cerca de 8 min e 24 s para sair de sua superfície e chegar até a Terra. Então, se algo acontecer ao Sol (“desaparecer”) só saberemos depois de 8 min. Um outro exemplo é a galáxia de Andrômeda que está a 2,5 milhões de anos-luz de distância. Isso significa que a luz que vemos hoje saiu da galáxia de Andrômeda há 2,5 milhões de anos: estou olhando, hoje, como era a galáxia há 2,5 milhões de anos. Ou, se eu sair de casa agora e ir para a galáxia de Andrômeda, viajando exatamente na velocidade da luz, demorarei 2,5 milhões de anos até lá. E isso vale para qualquer outro objeto (estrela, planeta e galáxia) no universo: quanto maior a sua distância, mais ao passado estamos vendo este objeto.
A outra relatividade que Einstein desenvolveu é a Geral (RG). Esta será tema para a próxima coluna pois quero que você reflita um pouco mais nessa mudança de paradigma (caso nunca tenha ouvido falar de relatividade). Mesmo se não conseguir absorver essas implicações (dilatação temporal e contração espacial) tente entender como funciona, que é experimental e que a vida, em muitas vezes, é incompreensível do ponto de vista físico. Eu mesmo demorei muito tempo para interiorizar estes conceitos e é completamente compreensível que isso fuja do entendimento racional que está enraizado com o dia a dia.
Resumindo, a relatividade especial trata sobre dilatação temporal e contração espacial e pode ser amplamente vista em diversos experimentos e observações astronômicas. Ela vai completamente contra o nosso senso comum de baixas velocidades (comparadas com a velocidade da luz) e de rigidez no espaço e no tempo. Com a constância da velocidade da luz, basilar a relatividade especial, vemos que não há instantaneidade: tudo leva um tempo para ser observado e isso nos faz ver as coisas no universo sempre no seu passado.
Tudo isso está dentro do nosso universo físico, é funcionamento de partículas, planetas, estrelas e galáxias. A regência é por leis fixas, escritas por Deus e que nós, físicos, estamos descobrindo. Claro que a totalidade dessas leis é humanamente impossível, apenas o Criador sabe e detém todo o conhecimento da natureza, mas pela Sua graça e pela sua imagem em nós podemos ter uma ideia de como tudo funciona. Os problemas que trabalhamos (processos físicos de nascimento do universo, por exemplo) também são graças de Deus para continuarmos o serviço de adoração a Ele por sua criação.
P.S.: em física teórica sempre utilizamos valores aproximados para tempo e espaço. É normal, nas referências abaixo e no que foi comentado do texto acima, ter alguns valores diferentes. O exemplo dos múons, tomei por base alguns dados e fiz as contas utilizando a mesma teoria da relatividade especial que é mencionada nas referências abaixo.
Quando deu peso ao vento, e tomou a medida das águas;
Quando prescreveu leis para a chuva e caminho para o relâmpago dos trovões;
Então a viu e relatou; estabeleceu-a, e também a esquadrinhou.
Jó 28:25 – 27
Só isso?! Sim! Mas, ficou em dúvida, quer perguntar algo, deixar algum comentário ou sugerir algum tema, deixe abaixo! Ficarei feliz em te responder, seja nos comentários ou em algum artigo específico.
Sugestão de leitura
- Um site-resumo sobre física: https://www.sofisica.com.br/;
- Teoria da Relatividade Especial, por Gazzinelli, editora Blucher: um bom livro introdutório sobre relatividade especial;
- Para mais detalhes, um pouco técnicos, sobre o múon, veja este artigo: https://www.scielo.br/pdf/rbef/v32n4/12.pdf;
- Sobre raios cósmicos (feixes de partículas extremamente energéticas) e a criação de múons, veja nessa aula da USP;
- Livro Astronomia e astrofísica, por S. O. Kepler e Maria de Fátima Saraiva. Este livro é disponibilizado no próprio site dos autores, que são professores da UFRGS. É um excelente material de consulta: http://astro.if.ufrgs.br/livro.pdf