Visões cristãs sobre as origens: os ismos das confusões

De onde vêm as guerras e pelejas entre vós? Porventura não vêm disto, a saber, dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam?

Tiago 4:1

A coluna de hoje será um novo componente no tijolo sobre a Série Visões Cristãs sobre as Origens: os ismos. Falarei sobre ideologias, cosmovisões e os preconceitos por trás das visões que permeiam ou fundamental as discussões sobre criação (ou origens, como queira). Calma! Não falarei de direita, esquerda, centro, esquerdismo, política, liberalismo ou qualquer outro noticiário político-econômico do dia e muito menos sobre estado, nação, autoridades civis e coisas relacionadas. E, também não é meu objetivo ser filosófico, trabalhar com a parte ontológica ou epistemológica do conhecimento sobre as origens. Minha pretensão é muito mais simples: diferenciar o que é visão de teoria científica, cosmovisão de dado científico, caracterizar as crenças que perpassam pelo cientista (ou cristão que lê sobre ciência).

INTRODUÇÃO

Vamos começar pela cosmovisão. Uma definição muito boa que gosto é do autor James W. Sire no livro Naming the elephant: worldview as concept, editora IVP Academic. Tenho apenas a versão em inglês, que usarei aqui; no Brasil há uma edição chamada Dando nome ao elefante: cosmovisão como um conceito, editora Monergismo. A citação, que está na pág. 19 (edição em inglês), é: “A worldview is a set of presuppositions (assumptions which may be true, partially true or entirely false) which we hold (consciously or subconsciously, consistently or inconsistently) about the basic makeup of our world”. Em tradução livre:

Uma cosmovisão é um conjunto de pressuposições (suposições que podem ser verdadeiras, parcialmente verdadeiras ou integralmente falsas) que sustentamos (consciente ou inconscientemente, consistente ou inconsistentemente) sobre a composição fundamental do nosso mundo

Então, também de forma livre, definirei, de uma forma muito superficial,

Uma visão é um conjunto de pressuposições (suposições que podem ser verdadeiras, parcialmente verdadeiras ou integralmente falsas) sustentadas (consciente ou inconscientemente) consistente ou inconsistentemente) sobre a composição fundamental de determinados fenômenos

Sim, sei que estou sendo até muito reducionista ou, a depender de como ver as origens (objeto de nosso foco nessa série), abrangente demais, e nada rígido. Mas, é apenas um norte. Com isso em mente, vamos a algumas definições e, encerrando a coluna, chegarei ao ponto central.

NATURALISMO

Naturalismo é um termo muito amplo e com diversas aplicações na filosofia, como naturalismo ontológico e naturalismo metodológico. Para os nossos propósitos e tomando por base a Stanford Encyclopedia of Philosophy no verbet Naturalism: é a crença de que não existe nada além do mundo natural, das entidades físicas, palpáveis, experimentais ou observáveis. Por exemplo, eu não vejo Deus ou qualquer outra entidade espiritual, pois não é possível pegar uma parte desses seres e comparar com o que já se tem no mundo físico (partículas, energia, espaço, tempo etc); então não existe mundo “sobrenatural” (entre aspas porque a maioria das pessoas dividem o mundo entre natural e sobrenatural, entre universo físico e universo de Deus; em colunas futuras sobre milagres discorrerei sobre essa temática).

CIENTIFICISMO

Vou usar, de forma adaptada, as palavras de Gregory R. Peterson do artigo Demarcation and the scitistic fallacy: é a crença de que a ciência é a única fonte de conhecimento possível e real a ser adquirido; se a ciência não pode estudar, então tal objeto ou fenômeno não existe. Veja que essa definição se aproxima, em termos de entendimento, do naturalismo. Só que ela é um pouco mais radical, no sentido que delimita a ciência e seus métodos (experimentação, observação etc) como a única regra de prática e fonte de conhecimento do mundo natural.

EVOLUCIONISMO

Para o evolucionismo, o site do BioLogos traz uma curta citação e, para o propósito dessa série, arrematarei para a seguinte definição: é a crença ou linha do cientificismo que utiliza a teoria científica da evolução como cosmovisão. Em outras palavras, o evolucionismo coloca a teoria da evolução, uma teoria que é científica dentro dos parâmetros do método científico, em um status de cosmovisão.

Aqui merece um destaque a mais. Teoria da evolução é uma teoria (o mais alto grau de conhecimento sobre um determinado fenômeno, que envolve evidências, matematização, argumentação estruturada etc) advinda da ciência, ou seja, tem observação, testes, “provas” (entre aspas porque é o que as pessoas pensam sobre o termo evidências), previsões etc. Já o evolucionismo toma a teoria da evolução e extrapola seus limites para algo que ela não foi feita: visão de mundo baseada em cientificismo.

Outro ponto que deixarei claro é que em muitos livros e artigos científicos intercalam o termo teoria da evolução com evolucionismo. Alguns fazem essa manobra de forma consciente e em nome de uma didática; outros já o fazem refletindo sua cosmovisão, consciente ou inconscientemente. Eu não farei esse tipo de intercâmbio, pois entendo que a didática, nesse caso, é prejudicial. Consigo ler, perfeitamente, qualquer livro / artigo e ver que o autor está falando de sua cosmovisão evolucionista ou da teoria da evolução. Mas, para deixar bastante claro a você, caro leitor, sempre deixarei essas expressões separadas e, quando usar juntas, estarei sendo proposital na questão de cosmovisão.

DARWINISMO E NEODARWINISMO

Esses dois termos, muitas vezes, são confundidos ou intercambiados com o evolucionismo. Em linhas gerais (tomando por base o Dicionário de Cristianismo e Ciência e o site de filosofia de Stanford) darwinismo é a crença baseada nas ideias da teoria da evolução de Darwin. Já o neodarwinismo pode ser entendido como uma atualização do darwinismo (ou seja, ideias advindas de Darwin) com biologia moderna (genética etc).

Frequentemente, darwinismo / neodarwinismo / naturalismo / cientificismo e materialismo (uma crença semelhante ao naturalismo e ao cientificismo) são colocados como tendo a mesma fonte: ateísmo, que é a crença de que não existe Deus ou entidade divina suprema.

CRIACIONISMO

Agora vamos entrar nos termos que nos interessam diretamente. O primeiro deles é o criacionismo: crença de que Deus criou todas as coisas. Ponto. Nada mais e nada menos do que essa definição simples, seca e direta. Não confunda criacionismo com Criacionismo da Terra Jovem, Criacionismo da Terra Antiga, Criacionismo Evolutivo ou qualquer outro tipo de criacionismo. Enfatizando: criacionista é a pessoa que acredita que Deus criou todas as coisas. A forma, o método, a maneira, as ferramentas etc não importam para a definição.

CONCLUSÃO

A coluna de hoje é apenas isso: curta, com definições simples e diretas. A única coisa que destacarei, novamente, é não misturar os termos, principalmente evolucionismo / darwinismo & Cia com teoria da evolução; Criacionismo com criacionismos (veja que a palavra está no plural para enfatizar os diversos tipos de criacionismos).

Tanto nessa série Visões Cristãs sobre as Origens como na série Ciência e Fé Cristã já abordo, dentro de focos diferentes, as variações ou vertentes do criacionismo.

Outro destaque, novamente, é com relação a cosmovisão (algo que todas as pessoas têm, incluindo cientistas): ela é diferente de teoria científica (são definições próprias), mas uma pode influenciar na outra na interpretação pessoal.

Parece que é muita coisa, um monte de termos, definições e destaques que precisamos ter em mente. Em parte, sim, até para termos uma boa ideia metodológica do que estamos refletindo. De qualquer forma, estamos trabalhando dentro da cosmovisão cristã, dentro das bases do cristianismo onde Deus é o Criador, se revela a nós pela natureza (revelação geral: pessoas O alcançam através do estudo da ciência) e de forma pessoal (revelação especial: pessoas O entendem através do estudo da Bíblia utilizando a teologia).

E falou-lhe de muitas coisas por parábolas, dizendo: Eis que o semeador saiu a semear.
Mateus 13:3


Ficou em dúvida, quer perguntar algo ou fazer alguma crítica / sugestão? Deixe nos comentários abaixo e terei o prazer em te responder aqui ou em algum artigo específico.

Sugestão de leitura

  • O melhor material, em português, no assunto entre ciência e fé cristã é o Dicionário de cristianismo e ciência, editora Thomas Nelson Brasil em parceria com a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência;
  • A origem: quatro visões cristãs sobre criação, evolução e design inteligente, de Ken Ham, Hugh Ross, Deborah Haarsma e Stephen Meyer. Editora Thomas Nelson Brasil em parceria com a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência;
  • Ciência, religião e naturalismo: onde está o conflito?, por Alvin Plantinga. Editora Vida Nova em parceria com a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência. Um bom livro, em tom mais filosófico;
  • Um bom artigo, introdutório, sobre o que é evolução (em inglês, mas muito didático): https://biologos.org/common-questions/what-is-evolution;
  • Um outro bom artigo que traz a reflexão na linha evolucionista (em inglês, mas não é técnico): https://science.sciencemag.org/content/299/5612/1523.full;
  • Site da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC2), que tem milhares de artigos, vídeos e livros já publicados sobre essa temática: https://www.cristaosnaciencia.org.br;
  • Site do BioLogos, que é uma espécie de ABC² americana. A diferença é que o BioLogos, fundado pelo dr. Francis Collins, é confessionário na visão do criacionismo evolucionário; a ABC² não toma partido em visão cristã qualquer, mas seus membros são livres para ter (ou não) a visão cristã que desejarem;
  • Site https://plato.stanford.edu/ é muito bom para se ter uma boa ideia de termos filosóficos. É uma espécie de dicionário de filosofia, bem resumido.
“Na ciência nós confiamos”, uma frase bem famosa, principalmente em camisetas. Demonstra toda a fé, crença e força no que a ciência, e somente ela, pode fazer por nós.
Arte feita via Canva exclusiva para a coluna
Dr. Alexandre Fernandes

Até a próxima!

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