Cosmologia: resumo do universo – parte 2
E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele.
Colossenses 1:17
Na coluna anterior comecei a fazer um resumo sobre tudo o que já tratei na Série Cosmologia. Falei sobre redshift e lei de Hubble-Lemaître. Nesta coluna resumirei a parte sobre a nucleossíntese primordial e a radiação cósmica de fundo (CMB – Cosmic Microwave Background, sigla em inglês).
NUCLEOSSÍNTESE PRIMORDIAL
Já tinha falado sobre essa temática em um outro artigo. De forma resumida, a nucleossíntese primordial trata sobre o início ou a “geração” dos primeiros elementos químicos do universo. Sim, é isso mesmo: no início de tudo não havia átomos de carbono, oxigênio etc; apenas partículas primordiais, como descritas na figura abaixo:
De acordo com o modelo padrão cosmológico (teoria do Big Bang + algumas outras teorias aplicadas à cosmologia e nascimento do universo), o universo nasce com essas partículas acimas, chamadas de elementares, e gravidade. Ao passar dos tempos, principalmente nos primeiros minutos, o universo já tem um tamanho “bem grande”, temperatura começa a diminuir e essas partículas elementares começam a se juntar e a formar os nêutrons (junção de 2 quarks down e 1 quark up) e prótons (2 quarks up e 1 quark down), além de mésons (junção de 2 quarks diversos). A partir disso, o primeiro elemento químico a se formar é o mais abundante e o mais simples: hidrogênio, com 1 próton e 1 elétron. Depois, seus isótopos (átomos com o mesmo número de prótons, mas com adições de nêutrons): deutério (1 próton, 1 nêutron e 1 elétron) e trítio (1 próton, 2 nêutrons e 1 elétron).
Um detalhe que, talvez, você não esteja lembrando: aqui estou falando do universo inteiro. Isso significa, literalmente, todo o universo. De uma outra forma, pense em todo o universo, com quase 2 trilhões de galáxias (cada uma, arredondando para baixo, com 100 bilhões de estrelas e uma inimaginável quantidade de planetas, poeira, cometas etc), concentrado em um volume pequeno, do tamanho da nossa galáxia (2 trilhões de galáxias compactadas em 1 galáxia de volume). É claro que nesse cenário não há formação de qualquer tipo de estrutura atômica, molecular, substância química ou similares.
Depois dos primeiros 3 a 5 minutos de vida do universo (literalmente isso: cerca de 300 segundos depois do nascimento do universo), ele tem apenas hidrogênio e isótopos. Mas, a temperatura, apesar de ter baixada de 1,41.1032 K (ou, arredondando, 141.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 graus Celsius) para algo da ordem de 10 bilhões de graus Celsius (10.000.000.000 graus Celsius), já é suficiente para a formação de elementos químicos: fusões de átomos de hidrogênio para formar hélio e lítio. Aliás, é esse mesmo processo, fusão nuclear, que acontece diariamente na nossa estrela, o Sol: ele funde átomos de hidrogênio, hélio etc e, como resultante dessa fusão, há uma liberação gigantesca de energia (fótons). Essa energia vem para a Terra naquilo que conhecemos bem: luz solar, calor, radiação térmica.
Esses processos de fusão de hidrogênios (monoátomos, deutérios, trítios), hélios, lítios etc permaneceram acontecendo por milhares de anos. Durante todo esse tempo, nenhuma estrutura, além de átomos simples, foi formada. Até 380 mil anos depois do nascimento do universo, tudo o que temos é átomos (nada de moléculas) e radiação (fótons). A evidência para tal explicação teórica, que foi expandida em detalhes por Gamow, Bethe e Alpher nas décadas de 1940/1050, foram detectadas por várias missões espaciais, como a Planck. Uma outra forma de detectar essa evidência é a proporção de elementos químicos nas galáxias mais antigas: no início da formação das galáxias (cerca de 100 milhões de anos depois do nascimento do universo) a proporção de elementos químicos seria semelhante à do universo (~74% de H e 24% de He). E é isso que foi observado em vários trabalhos:
Mas e os outros elementos da tabela periódica? Naturalmente, temos mais de 90 elementos químicos:
Os outros elementos são formados por processos de fusão nuclear no interior das estrelas. Por exemplo, átomos de ferro (o mesmo que temos no sangue) são fusões de outros elementos químicos, mas sua produção se dá no interior de estrelas. Átomos mais pesados, da tabela periódica, do que o ferro, são produzidos em outros lugares, também por fusão nuclear: “explosões” de supernovas e fusões de estrelas.
O evento de supernova é, em simples palavras, a explosão de uma estrela. Uma estrela muito grande (ou seja, com muito mais massa que o Sol), tem várias camadas. Cada camada, análoga a do Sol, é formada por um elemento químico (hidrogênio, hélio, oxigênio etc). Mas, por causa da grande massa que a estrela tem, a força gravitacional puxa tudo para dentro, para o núcleo da estrela, com intenção de implodir tudo. Só que, devido a força eletromagnética de repulsão, as camadas não “se juntam”. Até aqui, o que pode acontecer é processo de fusão nuclear “normal”: 2 átomos se fundem e vão para outra camada. A medida que o tempo passa, as camadas ficam “mais pesadas” e a força gravitacional ganha da força eletromagnética: as camadas exteriores desabam para o interior da estrela e das camadas interiores explodem devido (dentre outras coisas) a força eletromagnética. Então, você tem uma grande explosão para fora de camadas internas com a fusão nuclear de camadas externas (isso mesmo: as camadas da estrela se fundem “do lado de fora” da estrela). Esse processo de fusão “exterior” é o responsável pela formação de elementos químicos mais pesados que o ferro. E é tão violento que a pressão e temperatura, nessa fusão, é muito maior do que no interior da estrela: por isso que há formação de elementos químicos mais pesados.
RADIAÇÃO CÓSMICA DE FUNDO (CMB)
Em cerca de 400 mil anos após o Big Bang (nascimento do universo), como disse acima, só existia elementos químicos leves. E acontecia um fenômeno interessante até esse período: todo fóton (luz) era emitido e absorvido quase que instantaneamente. Ou seja, não havia espaço e tempo o suficiente para os fótons viajarem livremente. Só que a partir desse momento, 400 mil anos, os fótons conseguem viajar mais livremente e formam a radiação cósmica de fundo (CMB).
Essa radiação está na frequência de micro-ondas; é a mesma radiação que é emitida pelo aparelho micro-ondas doméstico (não, não há nenhum problema para a sua saúde esquentar alimentos nele). Como sabemos, toda radiação tem uma temperatura associada. Por exemplo, a temperatura da radiação térmica é, literalmente, sentida na pele: basta andar durante o dia debaixo do Sol. A temperatura da CMB, que foi calculada na década de 1940/50 por Gamow & Cia, estaria na casa de 3 K (3 kelvins ou -270º Celsius). Nas décadas de 1990 e 2000 algumas missões espaciais foram feitas pela NASA (agência espacial americana) e ESA (agência espacial europeia) com intuito de medir a CMB, a temperatura, a direção e a distribuição. Os mapas abaixo mostram a distribuição da CMB no universo. Observe que a precisão (resolução) melhorou muito entre uma missão e outra:
Cada pontinho (cor) é uma temperatura. Não há temperaturas muito grandes, todas são da ordem de 2,7 k (-272,7o Celsius). A variação entre um pontinho e outro é mais um ou menos uma pequena parcela em cima 2,7 k.
O cálculo da CMB é bem antigo e a medida bate exatamente com o previsto. Isso indica, dentre outras coisas, que o universo bebê, com 400 mil anos de idade, não tinha estruturas formadas, sua temperatura é baixa e há anisotropia (variação). Dito de outra forma: se houve Big Bang, começando da forma como é previsto nos cálculos, ao passar aproximadamente 400 mil anos, o universo deveria ter uma radiação de fundo com tal temperatura banhando todo o universo. E foi exatamente isso que é a descoberta (que começou na década de 1960). Não sei se ficou muito claro, mas é que os cálculos “de trás para frente” e “de frente para trás” convergem para uma idade e temperatura (400 mil anos depois do Big Bang, 3 k de temperatura). E isso foi feito como previsão, vindo a descoberta e a validação dela com o passar do tempo e de novas medidas.
CONCLUSÃO
Ficarei por aqui com esse breve resumo de “apenas” 2 áreas da cosmologia: nucleossíntese primordial e CMB. Na próxima coluna da Série Cosmologia falarei sobre a atual situação de expansão do universo, que está acelerada, e depois pretendo começar o começo de tudo, o início do universo, a origem (que não é o Big Bang): cosmologia quântica.
O momento que escrevo este texto está muito perto do Natal. Sei que é um período de festas, muita reflexão em todos os sentidos (ano que passo, ano que virá, nascimento de Cristo, salvação, redenção etc). Para colocar um pouco mais de inflação (não cósmica), deixo essas poucas palavras, simples, de cosmologia, para você inserir em seu sistema termodinâmico mental: Deus é o criador de todas as coisas e deixou você entender cada parte, cada processo físico que Ele criou e montou do universo.
Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por ele e para ele.
Colossenses 1:16
Ficou em dúvida, quer perguntar algo ou fazer alguma crítica / sugestão? Deixe nos comentários abaixo e terei o prazer em te responder aqui ou em algum artigo específico.
Sugestão de leitura
- O melhor material, em português, no assunto entre ciência e fé cristã é o Dicionário de cristianismo e ciência, editora Thomas Nelson Brasil em parceria com a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência;
- Fiz uma série sobre CMB no YouTube: https://www.youtube.com/playlist?list=PLRVeBaicnZqFWKTHHe2T8XtCRo7nLcbua;
- Um bom texto, em português, sobre Big Bang: http://www.if.ufrgs.br/~fatima/fis2010/Aula27-132.pdf;
- Fiz mestrado e doutorado na área de cosmologia quântica. Minha dissertação e tese tem capítulo específico sobre física quântica. Também escrevi um livro, fruto da dissertação. O título da dissertação é Cosmologia quântica na gravidade teleparalela, o da tese é Discretização da energia no universo primordial e o do livro é Cosmologia quântica na gravidade teleparalela: Proposta de soluções;
- Livro Astronomia e astrofísica, por S. O. Kepler e Maria de Fátima Saraiva. Este livro é disponibilizado no próprio site dos autores, que são professores da UFRGS. É um excelente material de consulta: http://astro.if.ufrgs.br/livro.pdf;
- Livro Alfa e Ômega: a busca pelo início e fim do universo, por Charles Seife, editora Roccomn. É um livro de 2007, está um pouquinho desatualizado com relação a dados (como bóson de Higgs e ondas gravitacionais), mas ainda é muito proveitoso e com uma didática muito boa;
- Os trabalhos principais sobre nucleossíntese primordial são (autores, títulos e anos): Gamow, Expanding Universe and the Origin of Elements, 1946; Alpher e Herman, Remarks on the Evolution of the Expanding Universe, 1948; Alpher, Bethe e Gamow, The Origin of Chemical Elements, 1948 e Gamow, On Relativistic Cosmogony, 1949 (disponível livremente);
- Livro Cosmologia física: do micro ao macro cosmos e vice-versa, por Jorge Horvath, German Lugones, Marcelo porto, Sergio Scarano e Ramachrisna Teixeira, editora Livraria da Física. Outro livro muito bom, um pouquinho técnico, mas nada que não possa ser resolvido por si mesmo. Está um pouquinho desatualizado com relação a dados por ser de 2011, porém, altamente recomendado.