Criacionismo da Terra Antiga: panorama


Toda terça-feira e quinta-feira faço reuniões online pela ABC2 (Associação Brasileira de Cristãos na Ciência) em Brasília. E em cada reunião é tratado um assunto que integre ciência e fé cristã. Por exemplo, nesses dias, às terças-feiras, estamos trabalhando o livro O ajuste fino do universo: em busca de Deus na ciência e na teologia, de Alister McGrath. Já nas quintas-feiras os temas são livres e diversos. Por esse motivo, toda quinta-feira quero deixar um texto, aqui na coluna, referente ao nosso tema. E o de hoje será Criacionismo da Terra Antiga.

Antes, o que é criacionismo? Para nós, cristãos, é a forma de ver a natureza / criação como obra de Deus. Apenas e somente isto: Deus é o criador de todas as coisas e nós cremos que Ele criou tudo. Esta é a definição direta, sem curva, do que é criacionismo. Mas, como todo conteúdo de estudo humano, há diversas linhas ou ramificações dentro do criacionismo. Obviamente, estou tratando dentro de um contexto cristão (outras religiões podem ser criacionistas a partir de sua(s) divindade(s)).

De forma bastante geral há quatro correntes ou visões cristãs sobre criação, evolução edesign: Criacionismo da Terra Jovem (CTJ), Criacionismo da Terra Antiga (CTA), Movimento do Design Inteligente (MDI) e Criacionismo Evolutivo ou Evolucionário (CE). Farei colunas específicas sobre cada uma dessas quatro grandes divisões. Claro, cada uma dessas divisões tem outras subdivisões que podem ser seguidas por cristãos. Apenas um adendo: a ABC2, de forma institucional ou como associação (registrada, com CNPJ etc), não toma posição em relação a uma visão cristã ou outra; como está no nosso estatuto,

Enquanto organização, a ABC² não toma posição quando há desacordo honesto entre cristãos em uma questão. A Associação se compromete a prover um fórum aberto no qual controvérsias possam ser discutidas de maneira respeitosa e esclarecedora. Diferenças legítimas de opinião entre cristãos que estudaram tanto a Bíblia quanto a ciência são expressas dentro da Associação em um contexto de amor cristão e preocupação com a verdade. Assim, os associados devem procurar falar a verdade em amor e em firme humildade, enquanto se mantêm abertos a outras maneiras de pensar, sem rejeitar o conhecimento do passado.

Capítulo I, artigo 3°, parágrafo 1º

Como é um texto panorâmico, não irei detalhar todos os pontos e responder todas as questões sobre o CTA (e nem sobre as outras visões que escreverei). Meu foco será, de forma superficial, em três áreas: criação do céu e da Terra (cosmologia e geofísica), criação da vida e do homem (biologia) e dilúvio. Claro, no fim do texto deixarei algumas sugestões para aprofundar um pouco mais na temática.

O CTA tenta fazer um modelo de interação entre a ciência e o texto bíblico de forma mais concordante possível. Uma de suas bases é a intervenção divina de forma direta na especiação em massa (como causa de criação da vida na Terra) e, claro, a rejeição completa do conceito de descendência comum universal. Este conceito, bastante enraizado na teoria da evolução (a completa, não somente a de Darwin), dá a noção de que a vida evolui (no sentido de mudança e adaptação) desde o ancestral comum universal (LUCA: last universal common ancestor). Em outras palavras: a especiação da vida na Terra é uma ação direta divina e não de processos evolutivos biológicos como é conhecido / tratado na ciência.

Hugh Ross, no livro citado abaixo A origem: quatro visões cristãs sobre criação, evolução e design inteligente, classifica três tipos de milagres que estão relacionados à intervenção divina: transcendentes (além da Física), transformacionais (utilizando a Física) e sustentadores (ação contínua de Deus ao longo da história cósmica).

Assim como em outras visões, há várias ramificações dentro do CTA. Por exemplo, a interpretação sobre o dia, na semana da criação, pode ser diversificada:

  • “dias” como dias de revelação;
  • “dias” sendo de 24 h mas com intervalos de muito tempo (indo de anos a bilhões de anos);
  • “dias” como estrutura literária dentro do gênero de Gn 1 (há diversos gêneros no livro de Gênesis, principalmente entre os capítulos 1 e 11);
  • “dias” de 24 h após um longo período (anos a bilhões de anos) entre o verso 1 e 3 do capítulo 1 de Gênesis;
  • “dias” analógicos ou temporalmente relativos;
  • “dias” como eras ou períodos muito longos de tempo;
  • qualquer combinação das alternativas acima.

Na questão de universo e da Terra, a ideia do CTA não diverge muito do que é trabalhado na cosmologia e na geofísica. Como há várias linhas interpretativas sobre o significado de yom (expressão que, traduzida do hebraico, é dia). Isso significa que Deus criou todas as coisas em tempos diferentes com intervalos. Por exemplo, Ele poderia ter criado o universo (do nada) há quase 14 bilhões de anos e cerca de 200 milhões de anos, criado as primeiras estrelas e galáxias. Não é muito claro se esta criação é instantânea, mas é milagrosa.

Indo para as questões de vida na Terra o ponto é claro: para o CTA não há processos evolutivos e, de acordo com Gn 1 e 2 (em sua interpretação),

Durante seis longas eras, Deus sistematicamente introduziu novas formas de vida conforme a variabilidade as condições permitiam ou mesmo necessitavam.

A origem, p. 107 – Hugh ross

Claro que a questão dos fósseis e dos milhões de anos de vida na Terra não é abandonada. A datação destes objetos (que não é apenas por decaimento do carbono 14) continua a mesma que é feita na física nuclear. Mas, a introdução de espécies e da variabilidade genética é um ato criativo de Deus. E isso segue à risca ao relato da criação bíblica, com a precisão dada e com as “evidências” que podem ser detectadas.

Com relação ao homem, o relato bíblico dá as características do processo de intervenção divina (nesta interpretação). A queda e, consequentemente, a entrada do pecado na natureza, é como está na narrativa bíblica. Um detalhe a ser destacado é concernente ao sexto dia da criação: assim como os outros dias podem ser interpretados como eras ou “dias maiores do que 24 horas”, este dia específico é “mais longo” devido aos fatos que ocorrem nele: criação do homem, da mulher e queda.

O último detalhe que quero destacar é com relação ao dilúvio. Este tema, por si só, merece um texto específico que farei em outra oportunidade. Mas, para efeitos de complementação desta visão, o CTA interpreta o texto bíblico como um evento catastrófico global em relação à humanidade, ou seja, onde tinha ser humano, o dilúvio alcançou-o. Ou seja, não é global no sentido de ser em todo o planeta mas, de acordo com o 2 Pe 3:6, a expressão em grego tote cosmos quer dizer o mundo daquele tempo (referência de Pedro ao relato do dilúvio).

Em resumo: a visão cristã do CTA tenta fazer ajustes do texto bíblico à ciência e vice-versa. Não foi mencionado, de forma destacada, mas há vários seguidores do CTA que são mais fortemente concordistas, ou seja, chegam a ver evolução cosmológica e, em certo grau, evolução biológica no relato da criação em Gênesis. Por exemplo, o físico Gerald Schoreder tem um livro muito interessante onde ele faz ajustes concordantes entre a relatividade e a histórica cosmológica. O apreço que o pessoal do CTA tem com a ciência e com a Palavra de Deus é outro fator a ser considerado: os 2 são obras de um Deus criador e sustentador de todas as coisas.


Só isso?! Sim! Mas, ficou em dúvida, quer perguntar algo, deixar algum comentário ou sugerir algum tema, deixe abaixo! Ficarei feliz em te responder, seja nos comentários ou em algum artigo específico.

  • A origem: quatro visões cristãs sobre criação, evolução e design inteligente, de Ken Ham, Hugh Ross, Deborah Haarsma e Stephen Meyer. Editora Thomas Nelson Brasil em parceria com a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência.
  • Dicionário de cristianismo e Ciência. Editora Thomas Nelson Brasil em parceria com a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência. É a melhor obra, atualmente, que trata do relacionamento entre o cristianismo e a ciência.
  • O Gênesis e o Big Bang, de Gerald L. Schoreder. Editora Cultrix. Livro antigo, a edição que tenho é de 1990. É mais fácil encontrar em sebos.
Dr. Alexandre Fernandes

Até a próxima!

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