O centro do universo: geocentrismo e heliocentrismo
E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.
Gn 1:27
Na coluna anterior trabalhei sobre a ordem da criação no sistema solar, ou seja, as leis físicas que regem os corpos celestes que foram descobertas por Kepler. Aliás, as leis de Kepler, como citei o exemplo do buraco negro Sagitário A*, valem em todo o universo. De forma muito rápida citei que Kepler continuou ou progrediu os trabalhos de Copérnico na ideia de heliocentrismo. Mais especificamente, Copérnico começou, de forma científica (com análise, matematização e hipóteses) a mudar a forma de observar o universo, que era geocêntrica, para um modelo heliocêntrico, passando por Kepler, Galileu e Newton. Hoje quero te mostrar essa evolução de pensamento, do geocentrismo a forma que observamos o universo hoje, incluindo como os escritores bíblicos tinham ideia de todo o universo.
Há diversos atores nessa trama. Citarei apenas alguns poucos protagonistas e quero que você tenha em mente o seguinte: todo desenvolvimento científico é lento, com idas e voltas, feito por milhares de pessoas em milhares de locais. É claro que é muito fácil a gente analisar todo o conjunto histórico com nossa mentalidade no século 21, com internet, alta tecnologia, acesso quase ilimitado a infinitas fontes e separar o que queremos. Mas, diferente do que prega o progressismo, a história não é linear ou sempre gradual.
Começando com as definições dos termos. Geocentrismo é a concepção de que a Terra é o centro do universo, ou seja, todos os corpos celestes (planetas, Sol, Lua etc) estão rotacionando nossa casa. Já o heliocentrismo coloca o Sol como o centro de tudo. As estrelas, aqueles pontinhos que observamos no céu, para essas duas concepções, são fixas e imutáveis. Sobre o formato arredondado da Terra, será tema de outra coluna. Spoiler: a Terra não é plana, é mais redonda do que uma laranja e a Bíblia não ensina terraplanagem (termo que eu utilizo de forma ironica a essa ideia moderna sem sentido).
O modelo geocêntrico, que tem a Terra como centro do universo, foi montado por Ptolomeu no séc. II ao fazer aglutinação de conhecimentos astronômicos anteriores. Ptolomeu era um seguidor do filósofo grego Aristóteles (que viveu no séc. IV a.C.), morava em Alexandria e deu várias contribuições ao seu tempo para a astronomia e geografia.
O geocentrismo tem uma ideia simples e facilmente observada: veja que o Sol nasce todas as manhãs no leste e se põe no oeste. A Lua, se você passar a noite toda observando-a, também faz o mesmo trajeto no céu. E isto inclui todos os planetas observados a olho nu, que nascem no leste e se põem no oeste: Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno. Urano e Netuno, a depender do local, podem não serem vistos a olho nu, mas também seguem a mesma trajetória.
O que Ptolomeu fez, mostrando de forma simplificada, é um modelo cosmológico onde a Terra está no centro do universo e tudo a rotaciona.
Observe que na imagem anterior aparece apenas os objetos conhecidos a olho nu e todos estavam ao redor da Terra. Indo mais para perto de cada planeta, o modelo ptolomaico se refina:
Ou seja, na órbita (deferente) o planeta faz um percurso no epiciclo.
Estas ideias geocêntricas perduraram desde a antiguidade até Copérnico. Hiparco, do séc. III a.C. já trabalhava com modelo geocêntrico. E a cosmologia bíblica (AT e NT) é toda geocêntrica:
Se você desenhar como a criação é relatada em Gênesis 1 e em diversas outras passagens bíblicas vai ver que o universo é descrito como esta imagem. O sheol é o lugar que, em algumas Bíblias, é traduzido como inferno. As comportas ou janelas do céu (floodgates) e as fontes do abismo (abyss) de Gn 8:2 também estão na imagem. A nossa tradicional visão de observar os astros (Sol, Lua e planetas) nascerem no leste e morrerem no oeste também é contemplada na figura. Ou seja, toda a descrição ou o pensamento cosmológico de toda a Bíblia é firmada no geocentrismo.
Mas, isso não significa que o texto sagrado ensina ou prova que a Terra é o centro do universo (ou plana). A Bíblia não é um livro de ciências ou um manual de cosmologia e, infelizmente, ela não é uma descrição cientifica do universo. Ela “apenas” descreve os eventos é a revelação de Deus em um contexto cultural completamente diferente do que temos hoje.
Saltando para o séc. XV nos deparamos com Copérnico e seu modelo heliocêntrico. Heliocentrismo é a concepção de que o Sol (e não a Terra) é o centro do universo. Ou seja, todos os astros estão rotacionando o Sol.
Veja que nos 2 modelos, de Ptolomeu e de Copérnico, as órbitas são sempre circulares e isso trazia dificuldades na explicação de objetos que tinham movimento retrógado, por exemplo, como Marte. . Quando observamos esse planeta parece que, em algum período, ele “anda para trás”:
Tycho Brahe, o chefe de Kepler e um exímio astrônomo, tentou corrigir, no modelo copernicano esta anomalia que era observada. Mas, a correção completa e o ajuste final no heliocentrismo começa com Kepler e suas leis, assunto que tratei na coluna passada.
Hoje, com o desenvolvimento da cosmologia, o universo, como conhecemos hoje (com galáxias, exoplanetas etc) é muito maior do que o sistema solar ou as órbitas que chegam até as estrelas “fixas”. Nas décadas de 1910/20 o universo “cresceu” de um sistema solar com 9 planetas (incluso Plutão) e umas estrelas (cerca de 2 mil vistas a olho nu) a um local com mais de 2 trilhões de galáxias, sendo que cada uma tem, na média 100 bilhões de estrelas. Planetas, conhecidos e catalogados por nós, apenas dentro da nossa galáxia, há mais de 4 mil (até este momento); claro que a quantidade é muito maior para uma galáxia de médio porte como a nossa.
E nossa posição nesse tão grande universo? Somos o centro da Via Láctea e do universo? Graças ao bom Deus, não. Todos os centros de galáxias que conhecemos estão ocupados por buracos negros supermassimos e que tem disco de acreção: região gigantesca, formada por plasma e material derretido com temperatura na escala de milhões de graus Celsius e muita radiação (raios X, raios gama etc). Nas regiões mais próximas há estrelas rotacionando o buraco negro em movimento caótico:
Estamos a cerca de 26 mil anos-luz (1 ano-luz = 9,5 trilhões de km) do centro da Via Láctea:
E também a Via Láctea não é o centro do universo. Aliás, o universo não tem centro: ele está se expandindo em todas as direções e seu começo não foi em uma “região” específica pois o universo é tudo o que existe fisicamente.
Veja a imagem abaixo. Ela é um esquema do universo em um raio de 1 bilhão de anos. Claro que, para este caso, o referencial central é a Via Láctea para fazer observações. Dentro desta esfera há cerca de 64 milhões de galáxias. Cada nome é um grupo, superaglomerado de galáxias. Nós vivemos no superaglomerado de Virgo que tem cerca de 200 aglomerados de galáxias. O aglomerado de galáxias que a Via Láctea faz parte é o Grupo Local, com outras cerca de 46 galáxias.
Em resumo: a concepção que os personagens bíblicos tinham acerca do universo é uma espécie de geocentrismo que foi aperfeiçoado por Ptolomeu no séc. II. Já no séc. XV/XVI o modelo heliocêntrico substitui a Terra como centro do universo. Hoje, com o desenvolvimento da astronáutica, da astronomia e da cosmologia sabemos que o universo não tem centro e muito menos estamos no centro da nossa galáxia: centro é um lugar muito perigoso por causa dos movimentos caóticos, do buraco negro supermassivo e das radiações.
Mas, foi aqui na Terra que Deus se encarnou:
Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.
Jo 3:16
Só isso?! Sim! Mas, ficou em dúvida, quer perguntar algo, deixar algum comentário ou sugerir algum tema, deixe abaixo! Ficarei feliz em te responder, seja nos comentários ou em algum artigo específico.
Sugestão de leitura
- Dicionário de Cristianismo e ciência, editora Thomas Nelson Brasil em parceria com a Associação Brasileira de Cristãos;
- Livro Astronomia e astrofísica, por S. O. Kepler e Maria de Fátima Saraiva. Este livro é disponibilizado no próprio site dos autores, que são professores da UFRGS. É um excelente material de consulta: http://astro.if.ufrgs.br/livro.pdf;
- Artigo, um pouquinho técnico, sobre os modelos de Ptolomeu e de Copérnico: https://www.scielo.br/pdf/rbef/v42/1806-9126-RBEF-42-e20190293.pdf;
- Artigo complementar a este texto: https://www.universetoday.com/36487/difference-between-geocentric-and-heliocentric/;
- Livro Cientistas de batina: de Copérnico, pai do heliocentrismo, a Lemaître, pai do Big Bang, por Francesco Agnoli e Andrea Bartelloni, editora Ecclesiae.
Até a próxima!