Cosmologia: introdução

No princípio criou Deus o céu e a terra.

Gênesis 1:1

Cosmologia. Esse assunto é um dos mais deliciosos de se conversar. Poderia, facilmente, passar horas e horas conversando sobre esse assunto ou escrever milhares de páginas com milhões de belíssimas imagens reais. Aliás, o nome da coluna já está incluído essa área do conhecimento: CosmoTeo – Cosmologia e Teologia no mesmo universo. E, depois de tantas colunas com diversos assuntos linkando ciências físicas e teologia, hoje quero te apresentar uma nova série onde tratarei apenas dela, da ciência que estuda o universo como um todo.

Começando pela definição que adotarei, já está praticamente dado pela última frase acima: cosmologia é a área da física que trata da evolução e dinâmica do universo, desde os seus primeiros instantes (ou o mais perto possível de seu nascimento) até os dias atuais e seus possíveis futuros. Análogo à física quântica, a cosmologia trata o universo como um sistema: as “partículas” desse sistema são as galáxias e suas interações, ou seja, tudo que é macro. Na coluna sobre Relatividade Geral trabalhei, um pouquinho, sobre alguns pontos da cosmologia pela interpretação dessa teoria einsteiniana e seguirei por esse caminho.

Apenas para título de curiosidade, há outras palavras ou áreas da física que podem ser similares. Uma delas é a astronomia, que pode englobar partes (ou até o todo) da cosmologia. Uma diferenciação, bem sutil, é que a astronomia está mais ligada às observações: ela é mais descritiva no sentido de identidade, natureza e interações físicas de corpos celestes (planetas, estrelas, galáxias etc). Claro que a astronomia tem uma parte teórica e observacional (como em toda a física). Astrofísica, que é outra palavra bem conhecida, seria uma aplicação da física aos astros ou “à astronomia”. Veja que essas definições, muito escorregadias, estão todas relacionadas com o mesmo sistema e seu conteúdo (incluindo a cosmologia): o universo e tudo o que está contido nele.

Dois destaques, ainda, quero fazer mais especificamente a cosmologia: apenas tratarei de um universo, ou seja, modelos teóricos sobre multiverso(s), universos paralelos, universos bebês, universo ecpirótico, teoria M, branas, universo(s) eterno(s), universo(s) cíclico(s) aberto(s) ou fechado(s) ou qualquer outro tipo não tratarei nessa série. Veja que a lista é muito grande para teorias ou modelos cosmológicos e que são bem trabalhadas em física teórica, mas focarei apenas no Modelo Cosmológico Padrão (MCP) com algumas variações teóricas possíveis. O MCP é um modelo que abarca uma série de teorias, algumas ainda em testes, mas sendo grande parte com muitas evidências. O outro detalhe que chamo a sua atenção é para a cosmologia quântica, uma subárea da cosmologia que trata especificamente sobre o nascimento do universo e os processos físicos que envolve os primeiros instantes. Este assunto não tratarei nessa série; será dedicado uma série em outro momento apenas com esse tema pois me é muito caro e foi onde trabalhei na minha pós (mestrado e doutorado).

Obviamente, como você já é um leitor da minha coluna (muito obrigado!), já está bem familiarizado aos termos teoria e modelo teórico: estes termos não tem nada a ver com relação ao senso comum do tipo “tenho uma teoria: isso é assim porque aconteceu aquilo”. Teoria é o mais algo grau de conhecimento sobre determinado assunto ou tema, que inclui matematização, explicação da maior quantidade de fenômenos possíveis e previsões observacionais ou experimentais. Essa é a definição que gosto de colocar em contraposição à lei: corpo de conhecimento descritivo sobre fenômenos, não se importando com a fonte. Um clássico exemplo que sempre menciono: gravidade. A lei de gravitação universal de Newton vai descrever o funcionamento da gravidade, queda de corpos, campo gravitacional e interações de objetos massivos em todas as escalas possíveis. Já a Teoria Relatividade Geral, dentre outras coisas, vai dar uma interpretação física ao fenômeno que chamamos de gravidade ou gravitação, mostrando que sua fonte está na curvatura do espaço-tempo.

Historicamente, a astronomia é uma das ciências mais antigas, remontando aos primórdios da nossa espécie, Homo sapiens. Isso se dá porque quando o homem começou a se tornar cada vez mais sedentário ou, melhor, a se portar em um local com mais regularidade, a noção de tempo começou a fazer mais sentido e a ser mais explícito. Por exemplo, observando o dia a dia, durante meses, ele começou a ver diferenças em épocas: períodos chuvosos, secos, quentes e frios. Claro, a natureza não é completamente igual em todos os tempos e havia uma certa regularidade. A posição das estrelas, e as fases da Lua são marcas iniciais dessas regularidades. Com o passar do tempo e mais observações esses ciclos que tinha marcas no céu começaram a fazer diferença na agricultura.

Além desses sinais normais, outras marcas, muito mais espaçadas e eventuais, apareciam e sempre tinham um registro no imaginário humano de algum tipo de evento. É que, desde as primeiras civilizações (egípcia, suméria etc) o homem já olhava para os astros em um sentido religioso: o Sol era um deus, as águas de um rio era outro deus ou o berço de deuses, a chuva era uma deusa e por aí vai. Então, quando aparecia algum fenômeno que não era periódico ou estranho, como eclipses solar ou lunar, os deuses estavam comunicando algo com o ser humano: catástrofes. Um cometa passando pela Terra por muito tempo, uma supernova (evento muito luminoso de explosão estelar) ou alinhamento de planetas poderia ser uma marca de alguém muito famoso ou rei nascendo (lembra da história da estrela e dos 3 magos no nascimento de Cristo? Um evento que não é coincidência).

Com o passar do tempo e mais observações do céu, modelos cosmológicos iam se assentando. Por exemplo, no texto bíblico é bastante claro que aparece o modelo de Terra plana em Gn 1 e em todo o Antigo Testamento. É muito óbvio que a Bíblia não ensina que a Terra é plana, mas que a ideia cosmológica predominante era desse modelo. No séc. III a.C. já temos, digamos de forma mais oficial, os primeiros modelos terrestres de uma Terra redonda: Eratóstenes, um diretor da famosa biblioteca de Alexandria, fez a medida do raio / circunferência do nosso planeta e obteve valores muito próximos com o real utilizando de uma técnica muito simples (apenas trigonometria).

Mas, isso não deveria ser assunto para uma geofísica ou geografia? Hoje em dia, sim, mas para os séculos anteriores ao I d.C., tudo o que se tinha de universo era o observado a partir da Terra. Ou seja, a Terra é toda a base do universo e a abóbada celeste, onde estão as estrelas fixas, Sol, Lua e as estrelas errantes ou que se movimentam (planetas), é a estrutura “de cima” desse universo. Acima ou além dele está o céu, morada de Deus e seus anjos. Abaixo, está o inferno (como temos a concepção atual) e a morada dos mortos (Sheol, que é apenas a sepultura).

A tradicional imagem acima nos mostra como o universo era visto na época dos tempos bíblicos. E essa concepção, “bíblica”, é mais fidedigna do que os outros modelos cosmológicos de outros povos: apesar de visualmente ter as mesmas características, o que diferenciava era que os outros povos consideravam cada parte como sendo um deus; já na revelação especial, esses objetos eram meras criações de Deus.

Observe o verso 16 do cap. 1 de Gênesis. Para todos os povos do Antigo Oriente Próximo (ao redor de Israel), a astrologia (adivinhação ou controle dos astros na vida do homem) era extremamente importante porque era uma das comunicações dos deuses com o homem. Nesse verso em Gn demonstra que Deus criou as estrelas, componente essencial para a astrologia, apenas no 4º dia. Em outras palavras, era uma clara resposta do Criador ao homem, de forma irônica: a astrologia e as estrelas são tão importantes para a vida da humanidade que me esqueci de criá-las e lembrei-me apenas no 4º dia.

No séc. II começa uma mudança nesse modelo terraplanista (não no besteirol que temos hoje, séc. XX; vide aqui a série onde trato sobre terraplanismo moderno): o geocentrismo de Ptolomeu. Séculos mais tarde, o modelo cosmológico geocêntrico é modificado aos passos e com a devida modificação que toda teoria é feita. O heliocentrismo, começando, mais formalmente, com Copérnico, é concluído, teoricamente, com as leis de Kepler. Podemos dizer que a unificação do céu e da Terra, no mesmo arcabouço teórico, é feito por Newton já no séc. XVII.

Em toda essa curtíssima narrativa histórica, deixando de citar milhares de casos e personagens muito importantes, é impossível de esquecer Galileu Galilei e a invenção do que chamamos de telescópio.

Modificando uma luneta, uma invenção holandesa de alguns anos anteriores, Galileu conseguiu aumentar a “potência” de observação e, com esse objeto, olhava crateras na Lua e descobria as 4 mais famosas luas galileanas de Júpiter: Io, Europa, Ganimedes e Calisto, mostrada na imagem abaixo na mesma ordem (da esquerda para a direita):

Nos séculos seguidos a Galileu e Newton, diversas observações foram feitas e milhares de objetos foram descobertos no céu: nebulosas, asteroides e planetas. Mas, o entendimento sobre a origem e a forma do universo ainda não era muito claro. Por exemplo, Einstein acreditava que o universo era estático e eterno. Obviamente, os cristãos em todos esses séculos creditavam a origem de todas as coisas a Deus, mesmo sem ter uma noção clara dos processos físicos utilizados pelo Criador. Claro que a ideia de criação em 6 dias literais não era o único modelo teológico: desde a época dos pais da igreja (meados séc. IV) já havia disputa com relação ao tempo de criação ou, mais precisamente, o que o texto de Gn 1 demostrava, na prática, fora da literatura bíblica.

Nesse brevíssimo panorama sobre a cosmologia antiga chegamos ao início do séc. XX. Nas próximas colunas dessa série trarei algumas pitadas de contexto histórico (impossível abordar todos os aspectos), mostrarei alguns modelos que foram construídos e focarei no que conhecemos, atualmente, de cosmologia: a composição do universo, os modelos teóricos que melhor descrevem o que observamos, alguns modelos que podem nos dar algumas respostas sobre processos físicos de nascimento e evolução do cosmo.

Apenas para despertar sua curiosidade, pretendo tralhar, um pouco, sobre: inflação, nucleossíntese, matéria escura, energia escura (são coisas bem diferentes), teoria do Big Bang e outros assuntos relacionados. Se você nunca ouviu falar desses termos, não se preocupe, pois, tentarei ser o mais claro possível. Mas, se já é um físico ou trabalha com ciências naturais, espero que consiga te refrescar alguns conceitos ou te demonstrar, de forma muito simples, um pouquinho de divulgação cientifica.

Assim os céus, a terra e todo o seu exército foram acabados.

Gênesis 2:1

Só isso?! Sim! Mas, ficou em dúvida, quer perguntar algo, deixar algum comentário ou sugerir algum tema, deixe abaixo! Ficarei feliz em te responder, seja nos comentários ou em algum artigo específico.

Sugestão de leitura

  • O melhor material, em português, no assunto entre ciência e fé cristã é o Dicionário de cristianismo e ciência, editora Thomas Nelson Brasil em parceria com a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência;
  • Fiz mestrado e doutorado na área de cosmologia quântica. Minha dissertação e tese tem capítulo específico sobre física quântica. Também escrevi um livro, fruto da dissertação. O título da dissertação é Cosmologia quântica na gravidade teleparalela, o da tese é Discretização da energia no universo primordial e o do livro é Cosmologia quântica na gravidade teleparalela: Proposta de soluções;
  • Livro Astronomia e astrofísica, por S. O. Kepler e Maria de Fátima Saraiva. Este livro é disponibilizado no próprio site dos autores, que são professores da UFRGS. É um excelente material de consulta: http://astro.if.ufrgs.br/livro.pdf;
  • Livro Alfa e Ômega: a busca pelo início e fim do universo, por Charles Seife, editora Roccomn. É um livro de 2007, está um pouquinho desatualizado com relação a dados (como bóson de Higgs e ondas gravitacionais), mas ainda é muito proveitoso e com uma didática muito boa;
  • Livro Cosmologia física: do micro ao macro cosmos e vice-versa, por Jorge Horvath, German Lugones, Marcelo porto, Sergio Scarano e Ramachrisna Teixeira, editora Livraria da Física. Outro livro muito bom, um pouquinho técnico, mas nada que não possa ser resolvido por si mesmo. Está um pouquinho desatualizado com relação a dados por ser de 2011, porém, altamente recomendado;
  • Dois interessantes podcasts sobre asteroides e planetas: https://www.deviante.com.br/podcasts/scicast-405/ e https://www.deviante.com.br/podcasts/scicast/scicast-242/.
Dr. Alexandre Fernandes

Até a próxima!

Galáxia IC 1101. A maior galáxia conhecida até agora do universo. Seu tamanho é estimado entre 4 e 5,5 milhões de anos-luz de largura.
Fonte: livro The most interesting galaxies in the universe, por Joel Schiff, editora Morgan & Claypool Publication

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