Buraco negro e a sua física na criação de Deus – III

E fez Deus os dois grandes luminares: o luminar maior para governar o dia, e o luminar menor para governar a noite; e fez as estrelas.

Gênesis 1:16

Nessa última coluna temática sobre buraco negro (BN) com base no Nobel de Física de 2020 o foco será na questão observacional. Melhor: na “primeira” observação “direta” que rendeu Nobel em 2020 a Reinhard Genzel e Andrea Ghez. Coloco entre aspas porque a primeira observação, de forma indireta, remonta os idos da década de 1906. Já direta é algo complicado de se definir: como vimos na primeira coluna dessa minissérie BN não emite luz / radiação, apenas vemos seus efeitos gravitacionais ao redor. Na coluna anterior vimos a metade da premiação do Nobel que foi dada a Roger Penrose pela descoberta que a formação de BN é uma predição robusta da teoria da relatividade geral (tradução livre do original for the discovery that black hole formation is a robust prediction of the general theory of relativity).

Genzel e Ghez dividiram a outra metade da premiação pela descoberta de um objeto compacto supermassivo no centro de nossa galáxia (tradução livre do original for the discovery of a supermassive compact object at the centre of our galaxy). Observe a diferença nas expressões objeto compacto supermassivo e buraco nego entre os premiados. Não há nada de indicação de diferença física entre os termos: para nós, físicos, objeto compacto supermassivo no centro de galáxias (incluindo a nossa) e buraco negro é o mesmo tipo de objeto. Só que, como nada é escrito aleatoriamente, há uma intencionalidade de cuidado nessas palavras. A gente estudar buracos negros (com esse termo) em equações, simulações, falar de horizonte de eventos ou singularidade (para mim, um problema puramente matemático, já que não existe densidade infinita ou volume zero em termos físicos) é uma coisa: temos, como se diz na literatura, liberdade matemática (ou poética) para descrever qualquer coisa da forma como as equações nos apresentam e a interpretação é livre. Já a observação é diferente: objeto compacto supermassivo pode ser um buraco de minhoca, um “furo” no tecido do espaço-tempo, um BN ou qualquer outra coisa desconhecida pela física. Justamente por causa desse cuidado a Academia Sueca usou essas palavras relacionadas a descoberta de Genzel e Ghez. Na prática, a gente “arredonda” para BN.

Um esquema gráfico mostrando a dinâmica de estrelas do tipo S rotacionando o Sgr A*.
Fonte: https://www.nobelprize.org/uploads/2020/10/popular-physicsprize2020-1.pdf

Uma outra hipótese que substituiria a ideia de um BN no centro de uma galáxia seria uma superpopulação de estrelas. Ou seja, uma grande quantidade de estrelas em um voluma ou região, no centro da galáxia, que faria o papel gravitacional da emissão de radiação. Só que essa hipótese não se sustenta porque a quantidade de estrelas em uma dada região ou volume deveria ser muito grande. Em outras palavras, a densidade (massa dividida por volume) deveria ser tão grande (por causa do efeito gravitacional) que, se substituído por um objeto, seria o conceitual BN. Hoje é bastante comum pensarmos em buracos negros de todos os tipos e que eles habitam (os supermassivos) o centro de galáxias (até o momento, todas possuem esse objeto). Mas, isso só foi refinado em 1995 em um artigo publicado na Nature. Resumindo: até a metade da década de 1990 não tínhamos certeza sobre a existência de buracos negros no centro de galáxias. E nem na nossa!

Observação da posição da estrela S02 (um tipo de estrela que rotacional o buraco negro Sgr A*) durante quase 20 anos.
Fonte: https://www.nobelprize.org/uploads/2020/10/advanced-physicsprize2020.pdf

A busca pelo nosso BN supermassivo começa com uma grande fonte de rádio com origem entre as constelações de Sagitário e Escorpião e distante cerca de 25 mil al (1 al = 9,5 trilhões de km). Nominado de Sagitário A* (ou Sgr A*; pronuncia-se sagitário A-estrela), essa fonte entrou no radar de pesquisas de dois grupos. Um liderado por Genzel do Max Planck Institute for Extraterrestrial Physics e o outro pela professora Ghez da University of California em Los Angeles. A pesquisa, falando de forma muito simplória, consistia em monitorar (através de observações astronômicas) o movimento de estrelas do tipo S2 (significa Source 2: são estrelas que orbitam, no entendimento da época, a fonte de rádio do Sgr A*). Analisando as órbitas, utilizando as leis de Kepler e fazendo uma verdadeira evolução e revolução na tecnologia de observações astronômicas, depois de quase 10 anos, os dois grupos (liderados por Genzel e Ghez), de forma independente, publicaram seus trabalhos em 2003 (além de uma série de outras descobertas até essa data e depois dela) mostrando que a fonte toda a dinâmica daquelas estrelas ao redor da fonte Sgr A* só poderia ser um BN de 4 milhões de massas solares.

Outras missões astronômicas fizeram observações de estrelas ao redor do agora conhecido BN Sgr A* entre 1992 e 2018.
Fonte: https://www.nobelprize.org/uploads/2020/10/advanced-physicsprize2020.pdf

Aliás, esses 2 grupos vinham monitorando as estrelas ao redor do centro da nossa galáxia há quase 30 anos! É, praticamente, um trabalho de formiguinha: noites e noites de observação, tirando fotos, observando posição de estrelas, calculando velocidades e verificando o que poderia explicar tal velocidade sendo que nada era visto (no sentido de emitido: luz / radiação). Obviamente, os trabalhos de Genzel e Ghez não pararam em 2003. Depois disso, diversos outros trabalhos observacionais foram publicados e vários outros astrônomos / observatórios fizeram mais testes, cálculos. Uma verdadeira aula de astronomia sendo dada ao longo de décadas, diversos equipamentos e tecnologias sendo desenvolvidas. Uma delas, que faço questão de destacar, é a ótica adaptativa (fenômeno e tecnologia): um laser é disparado, da Terra, criando uma estrela artificial na atmosfera. Então o brilho dessa “estrela” é usado para calibrar o telescópio (em terra) para fazer correção por causa da atmosfera (que atrapalha muito). Com essa correção, é como se o telescópio, que está na superfície, estivesse no espaço.

Representação da ótica adaptativa. Um laser é disparado, criando uma estrela fake. É feito uma análise do brilho dessa “estrela” na atmosfera para que, quando chegar a luz distorcida de uma estrela verdadeira, que está fora da camada atmosférica, seja feita uma correção ótica eliminando o efeito dos gases da Terra.
Fonte: https://www.nobelprize.org/uploads/2020/10/advanced-physicsprize2020.pdf

Resumindo, teologicamente, toda essa minissérie: a graça de deus é derramada a qualquer ser humano em diversas áreas e atuações do conhecimento. Vimos, no início, um pouco sobre definições sobre buracos negros e como pessoas normais, com raciocínio e um pouco de matemática, lá no séc. XVII, já derivaram os princípios sobre os buracos negros. Depois, observamos o nascimento desses monstros cósmicos a partir de sua certidão de nascimento: com Relatividade Geral (modernamente falando). Depois, uma parte histórica, com observações pacatas, bem simples. Com o desenvolvimento de novos equipamentos e tecnologias, hoje temos a confirmação (ou não?) dessas criaturas divinas.

Isso só demonstra a Revelação Geral de Deus de forma explícita. Ou, como diz o salmista no tradicional salmo da criação:

Os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos.

Salmos 19:1

Ficou em dúvida, quer perguntar algo ou fazer alguma crítica / sugestão? Deixe nos comentários abaixo e terei o prazer em te responder aqui ou em algum artigo específico.

Sugestão de leitura

  • Estou utilizando, fartamente, os materiais gratuitos do site The Nobel Prize. Há texto técnico, nota à imprensa e texto de divulgação científica popular;
  • O melhor material, em português, no assunto entre ciência e fé cristã é o Dicionário de cristianismo e ciência, editora Thomas Nelson Brasil em parceria com a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência;
  • * Fiz mestrado e doutorado na área de cosmologia quântica. Minha dissertação e tese tem capítulo específico sobre física quântica. Também escrevi um livro, fruto da dissertação. O título da dissertação é Cosmologia quântica na gravidade teleparalela, o da tese é Discretização da energia no universo primordial e o do livro é Cosmologia quântica na gravidade teleparalela: Proposta de soluções;
  • Livro Astronomia e astrofísica, por S. O. Kepler e Maria de Fátima Saraiva. Este livro é disponibilizado no próprio site dos autores, que são professores da UFRGS. É um excelente material de consulta: http://astro.if.ufrgs.br/livro.pdf;
  • Livro Alfa e Ômega: a busca pelo início e fim do universo, por Charles Seife, editora Rocco. É um livro de 2007, está um pouquinho desatualizado com relação a dados (como bóson de Higgs e ondas gravitacionais), mas ainda é muito proveitoso e com uma didática muito boa;
  • Livro Cosmologia física: do micro ao macro cosmos e vice-versa, por Jorge Horvath, German Lugones, Marcelo porto, Sergio Scarano e Ramachrisna Teixeira, editora Livraria da Física. Outro livro muito bom, um pouquinho técnico, mas nada que não possa ser resolvido por si mesmo. Está um pouquinho desatualizado com relação a dados por ser de 2011, porém, altamente recomendado.
Um magnetar (um tipo de estrela, estrela de nêutrons, com um campo magnético fortíssimo) passando perto do BN no centro da nossa galáxia, Sgr A*.
Fonte: https://chandra.harvard.edu/photo/2015/sgr1745/
Dr. Alexandre Fernandes

Até a próxima!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *