A astrologia e a adivinhação cristã
E fez Deus os dois grandes luminares: o luminar maior para governar o dia, e o luminar menor para governar a noite; e fez as estrelas
Gênesis 1:16
O texto de hoje é mais uma reflexão sobre prática ou, talvez, crenças que nós, cristãos, crentes, frequentadores assíduos de cultos aos domingos, alunos de EBD, pastores, pregadores ou membros de grandes igrejas “temos”. Veja que coloquei o verbo entre aspas porque é um tipo de sentimento, talvez, até inconsciente. O que tratarei será sobre astrologia e adivinhação no contexto cristão. Usando essas duas palavras, astrologia e adivinhação, você pode até negar de prontidão que não há esse tipo de prática ou crença no meio da igreja. Concordo: não deveria. Mas, não é o que observamos. Novamente: pode até ser uma prática inconsciente e inocente, mas quero te apresentar os conceitos, bíblicos, do que é isso e, quem sabe, você até ter outra postura com relação a isso. Aliás, o que tratarei aqui será bem menos técnico ou literário, apenas algumas ideias “soltas”, mais de texto bíblico e menos de outros textos correlatos.
Antes, uma pequena definição dessas expressões. Astrologia é o campo de conhecimento onde se estuda a influência dos astros a vida humana. Parece que o termo é muito aberto, mas é assim que os “astrólogos modernos” o definem (vide aqui). Indo por partes: campo de conhecimento é uma área de estudo, como sabemos muito bem dentro da ciência. Por exemplo, se quero estudar planetas, então vou para o campo de conhecimento chamado ciência planetária e estudo tudo o que tem nele: leis de Kepler, relatividade etc. Influência é, literalmente, a interação de 2 objetos. Na física, por exemplo, a Terra nos influencia através do campo gravitacional, nos prendendo no chão. Já a expressão astros é tudo e qualquer coisa que está no espaço: Sol, Lua, planetas, estrelas, meteoros, galáxias etc. Ou seja, corpos celestes e toda a composição do universo. Agora, está mais fácil de definir astrologia: é a influência do universo na vida humana, só que essa influência não é física (através das forças físicas, como gravitacional ou eletromagnética). Como diz um site muito famoso no meio jornalístico ao se referir a Lua, é que ela “é a responsável por afetar nosso humor”.
Só que essa definição acima, como você mesmo pode verificar nos links, é moderna. A astrologia de hoje, que aparece nos sites com pretensão jornalística (vide aqui, aqui e aqui) é bem diferente da crença astrológica que existia no mundo antigo. A astrologia moderna é uma leitura do céu feita de uma forma aleatória. Ou seja, os astrólogos modernos pegam os signos (conjunto de estrelas que, na antiguidade, formavam figuras nas mitologias grega e romana), inventam desejos e sentimentos que são compartilhados com diversas pessoas e jogam isso de uma forma qualquer para produzir o que os jornais chamam de horóscopo. Vou fazer um exemplo para ficar claro.
Pegue o horóscopo do final de semana 20 e 21 de novembro de 2021 em um grande jornal (vide aqui). Poderia pegar qualquer outra data ou jornal. Tomando uma frase aleatória do texto, por exemplo em “O Sol, nosso astro-rei, ingressa no signo de Sagitário, na noite do domingo, para trazer otimismo na véspera da sempre tão temida segunda-feira. ” Poderia ter pego qualquer outra frase do mesmo texto ou de qualquer outro. Analisando o que a frase diz: o Sol, a estrela do sistema solar em que a Terra rotacional, ingressa no signo de Sagitário, ou seja, olhando da Terra para o espaço, significa que o Sol estará na mesma direção da constelação que chamamos de Sagitário. E isso acontecerá na noite de domingo, 21 de novembro de 2021. E a função disso (Sol entrando em Sagitário, astronomicamente falando), traz otimismo. Essa última frase é um besteirol que nem é preciso analisar; vou puxar a imagem astronômica para ver se o Sol realmente entra na constelação de Sagitário na noite de 21 de novembro de 2021. Utilizando o software Stellarium:
Explicando melhor a imagem acima. Utilizei um programa chamado Stellarium (é gratuito para computador e está em português, coloquei os dados onde moro (Brasília), coloquei a data 21 de novembro de 2021 e o horário 17:28, um pouco antes do entardecer. No momento que escrevo este texto, esta data está no futuro. Os nomes que aparecem na imagem (Libra, Serpente, Sagitário etc) são nomes das constelações. As figuras são as interpretações que os gregos e romanos “viam” quando ligavam os pontinhos das estrelas que formam as constelações. Por exemplo, a constelação de Libra é uma imagem de balanças onde os antigos “imaginavam” que se formava a figura. Como é algo tradicional dentro da astronomia, os nomes das constelações permaneceram (hoje são registradas 88), assim como os nomes dos planetas, que advém das mitologias (Júpiter, Vênus, Mercúrio etc).
Olhando o que o astrólogo do jornal disse e a simulação astronômica, é claramente visto que as informações não batem: o Sol está e permanecerá um bom tempo no signo (= constelação) de Libra. Ou seja, nem astronomia básica e simples, para dar um ar de “certo”, a astrologia moderna é capaz de oferecer. O resto da adivinhação, otimismo para a sua segunda-feira, é outra empulhação.
Já a adivinhação, que tem na astrologia moderna, é uma prática mais geral. Ela é uma espécie de sentimento para saber a vontade de Deus em nós (já trabalhando dentro do contexto cristão). Um clássico exemplo de adivinhação “cristã” é a caixinha de promessas: é uma belíssima caixinha, adornada, que tem pequenos papéis com versículos bíblicos e que estão aleatoriamente misturados (com pleonasmo). Essa prática, talvez não tão usada hoje em dia e que eu cresci vendo e usando-a (sim, meu passado é um pouco negro), consistia de pegar um papel, lê-lo antes de sair de casa e pronto, a vontade de Deus estava “revelada”, bastando a pessoa “adivinhar” o resto.
Mas não temos (ou tínhamos) a caixinha de promessas: abrir a Bíblia aleatoriamente, pegar um verso aleatório na internet ou no app do seu celular, ouvir uma benção etc antes de fazer algo ou tomar alguma decisão também é um ato de adivinhação. Parece estranho (e é), mas esse tipo de prática é análogo a astrologia. A Bíblia está recheada de textos, principalmente no Pentateuco (Lv 20:27, Nm 23:23 etc) que é contra essa prática. E o motivo é simples: Deus é o criador de todas as coisas e é Ele quem dirige a nossa vida. E não há nada que possamos fazer para entender a Sua mente ou “adivinhar” a Sua vontade.
Só que, para os povos pagãos (que não conhecem Deus ou são politeístas) a prática da astrologia era algo sério. Ou seja, eles conheciam a vontade do seu deus /deuses através dos astros porque os astros refletiam a vontade dos deuses e, em algumas culturas, os astros são os próprios deuses. Por exemplo, para os egípcios, o faraó (título dado ao governante do Egito) era o próprio deus (algum qualquer do panteão de diversos) encarnado. Já para os astecas, o Sol era o deus supremo Huitzilopochtli.
E aqui entra um ponto fundamental e basilar na cultura judaica e, como consequência, no cristianismo. Olhando para o texto sagrado em Gn 1 observamos que Deus cria todas as coisas no sentido de dar função a elas (vide a série As Origens). Em outras palavras, Deus dá função aos objetos (natureza) com não com intenção dar adivinhação ou poderes místicos: tudo é criado, controlado e organizado por Ele (lembre-se: o caos primordial não dá origem a Deus, Gn 1:2). Como consequência, Israel aprende a confiar inteiramente em Deus desde o início de tudo e esse mesmo Deus vai se revelando, progressivamente, ao homem, desde Gn a Ap.
Em resumo, a astrologia moderna e a adivinhação através de objetos que o cristianismo tem por base não são práticas bíblicas. A nossa fé é baseada em Deus, Criador do céu e da Terra, e a Sua vontade está revelada (expressão no passado) na Sua Palavra, a Bíblia. E, para conhecermos a Sua vontade precisamos apenas de ler a Bíblia e colocá-la em prática.
O Sol se converterá em trevas, e a lua em sangue, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor.
Joel 2:31
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Sugestão de leitura
- O mundo perdido de Adão e Eva: o debate sobre a origem da humanidade e a leitura de Gênesis, por John Walton com participação de N. T. Wright, editora Ultimato em parceria com a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência;
- O melhor material, em português, no assunto entre ciência e fé cristã é o Dicionário de cristianismo e ciência, editora Thomas Nelson Brasil em parceria com a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência;
- Como ler Gênesis, por Tremper Longman III, editora Vida Nova. Um excelente livro, bastante simples e nada técnico;
- Os outros da Bíblia: história, fé e cultura dos povos antigos e sua atuação no plano divino, por André Reinke, editora Thomas Nelson Brasil. Um bom livro que mostra muitos detalhes históricos e culturais dos povos do AOP;
- Dissertação A “influência do mito babilônico da criação, Enuma Elish, em Gênesis 1,1 – 2,4a. É um interessante trabalho feito por Antonio Ivemar da Silva Pontes e que está disponível em http://tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/886/2/dissertacao_antonio_ivemar.pdf.