Termodinâmica: Terceira Lei
Estas são as origens dos céus e da terra, quando foram criados; no dia em que o Senhor Deus fez a terra e os céus,
Gênesis 2:4
O texto de hoje finaliza as três leis da termodinâmica. A série continua e nunca finalizo pois sempre tem temas interessantes, como são os casos da série A Terra é plana?, Apocalipse moderno, Ciência e Fé Cristã e a nova série, ainda no começo: Cosmologia. A série que estamos é a da Termodinâmica que será primordial para nossa conversa sobre início do universo (cosmologia quântica).
Talvez você tenha ouvido falar da Terceira Lei da Termodinâmica na escola; lembro-me muito vagamente nos idos de 2000 quando estava no 2º do ensino médio. Quase não é enfatizado e em física na escola e estudamos com mais detalhes em Física Estatística (uma espécie de Termodinâmica, mas com as ferramentas da estatística). Mas, antes de adentrarmos nessa lei, que é bem simples de entender, vamos dar uma revisão do que vimos até agora na série Termodinâmica.
Inaugurando a série começamos do zero: uma introdução e a chamada Lei Zero da Termodinâmica. Nesse texto deixei algumas definições muito importantes para entender processos físicos termodinâmicos. A questão de equilíbrio térmico entre 3 corpos, muito intuitiva e utilizada de forma simples (como medir temperatura com um termômetro) é descrita e detalhada.
O segundo texto vai delinear sobre a Primeira Lei da Termodinâmica. Em outras palavras: a energia sempre é conservada e sempre há transformação de energia. Algo bem intuitivo que até aprendemos na escola como a famosa Lei de Lavoisier: na natureza nada se cria, tudo se transforma. Isso pode ter consequências teológicas de forma direta na doutrina cristã da criação: tudo que existe é criado por Deus por Ele e para Ele.
A Segunda Lei da Termodinâmica é tratada em duas partes: entropia e a descrição em si. Em linhas gerais, ela é a régua de funcionamento do universo (mais especificamente, de sistemas fechados): a energia é sempre transformada ao “nível” de utilização. Enquanto isso, a entropia vai aumentando, pois está tendo gasto de “energia útil”. Em termos bem coloquiais, a entropia é uma medida da bagunça ou degeneração da energia ou a capacidade útil dela em um sistema. A Segunda Lei apenas vai colocar que a entropia sempre aumenta ou permanece constante em um sistema fechado.
A Terceira Lei da Termodinâmica vem do teorema de Nernst e de um postulado do Planck (um dos pais da física quântica), que não são objetos de tratamento aqui:
Quanto a temperatura tende a zero, a entropia tende ao mínimo.
É baste simples a definição: enquanto a temperatura cai, tendendo a zero, a entropia vai caindo, tendendo ao mínimo. Só que aqui a referência é para a menor temperatura, ou seja, quando o sistema estiver bem perto do zero absoluto.
Zero absoluto é a menor temperatura possível fisicamente. A escala de temperatura que usamos no Brasil é graus Celsius: o zero absoluto seria -273,15º graus Celsius. Na escala Kelvin, a temperatura do zero absoluto seria 0 K. Essa escala, em homenagem a William Thomson, 1º barão Kelvin ou conhecido como Lord Kelvin, estabelece o zero da escala justamente no zero absoluto. A nossa escala, graus Celsius, coloca o zero como sendo a temperatura que congela a água (gelo) e 100º como sendo a temperatura de vapor de água. Algumas relações entre a escala Kelvin e a graus Celsius:
Escala graus Celsius | Escala Kelvin |
-273,15º | 0 |
0o (Temperatura de gelo) | 273,15 |
25º (Temperatura ambiente) | 298,15 |
100º (Temperatura de vapor de água) | 373,15 |
Veja que o significado de escala de temperatura é uma régua de referência para saber se algo está mais quente ou mais frio em relação a um referencial. Por exemplo, se eu te disser que agora em Brasília está muito quente sem te dar algum parâmetro, não fará muito sentido: você pode estar no deserto do Saara e achar que, onde estou, não está quente e sim, bem fresco. Mas, se eu te disser que a temperatura agora, onde estou, é de 35º Celsius, por causa do nosso costume com essa escala, então você achará que nesse momento o dia está muito quente.
E a forma de calibrar escalas de temperatura: tomo dois pontos de referência em um sistema que tenha menos e mais energia, coloco o menor como zero e o maior, com algum valor acima do zero; depois divido em quantas partes achar necessário. Voltando na nossa escala de graus Celsius: tomo o gelo e coloco a temperatura dele como sendo 0. Depois, na fervura da água, meço a temperatura do valor e atribuo como sendo 100. Divido o intervalo entre 0 e 100 em cem partes iguais. É assim que funciona a escala de graus Fahrenheit (com outros valores de referência e outra forma de dividir as partes), por exemplo.
Por causa desses detalhes acima a escala Kelvin também é chamada de escala absoluta de temperatura: o zero está configurado para a temperatura absoluta zero, ou seja, a temperatura onde não há comportamento de partículas. Em outras palavras, não haveria movimento ou energia média das partículas: seria um mundo paralisado, tudo quieto. Mas, de acordo com o princípio de incerteza de Heisenberg (nunca há 100% de certeza para posição e velocidade de uma partícula, simultaneamente), isso é impossível: sempre haverá um mínimo de energia, por menor que seja a temperatura.
Observe que há uma certa interação entre a escala Kelvin e a Terceira Lei da Termodinâmica. Lembrando que, historicamente, a termodinâmica tem raiz na experimentação, e a explicação de muitos fenômenos, a nível microscópico, vieram décadas depois, principalmente com a mecânica quântica. Ou seja, no nível mais fundamental da termodinâmica (experimental) há padrões estabelecidos pela quântica (física estatística também faz parte) e que, “coincidentemente”, só foram entendidos tempos depois. Com isso, essa lei é o início de todos os processos fundamentais da matéria.
Um último detalhe, conectando esse assunto com cosmologia. No início do universo a temperatura era muito grande (da ordem de 1032 K ou 100.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000o Celsius). Intuitivamente, olhando para a Terceira Lei da Termodinâmica, pensamos que a entropia é máxima (se a temperatura diminui, a entropia diminui; se a temperatura aumenta, a entropia aumenta). Mas, se isso fosse verdade (entropia máxima), então não teríamos universo, pois não poderia ter nenhum outro processo termodinâmico, já que a entropia está no maior limite. Só que, observamos o universo com aumento de entropia ao longo do tempo. Como vimos na Segunda Lei da Termodinâmica: ou seja, o início do universo tem que ter a menor entropia possível. E agora?
O que acontece (e que foge dos nossos objetivos do CosmoTeo) é que no início do universo há muitos outros processos quânticos cosmológicos que precisam ser considerados. Com tudo isso em mãos, vemos que a Terceira Lei da Termodinâmica precisa ser readequada para os primeiros instantes do universo, ou seja, não é uma aplicação simples e direta da lei. Aliás, há pesquisas em cosmologia que colocam os processos termodinâmicos para funcionarem depois do Big Bang, quando o universo já tem idade de 10-43 s. Parece muito pouco, mas em termos cosmológicos de nascimento de universo, é muito tempo e o suficiente para acontecer muita coisa.
Há muita coisa que precisamos conhecer, estudar e pesquisar. Parece que, quanto mais se estuda, menos se sabe ou mais problemas vão se acumulando. O lado bom de tudo isso é que a pesquisa científica não para, nunca vai ter fim e sempre terá muita coisa para se descobrir. E isso está intimamente ligado a teologia: a criação de Deus é perfeita, completa e o homem está inserido nela como mordomo (parábola dos talentos), cuidador (Adão lavrando a Terra) e adorador: o serviço na ciência é um louvor ao Criador.
E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom; e foi a tarde e a manhã, o dia sexto.
Gênesis 1:31
Só isso?! Sim! Mas, ficou em dúvida, quer perguntar algo, deixar algum comentário ou sugerir algum tema, deixe abaixo! Ficarei feliz em te responder, seja nos comentários ou em algum artigo específico.
Sugestão de leitura
Para essa minissérie estou utilizando os livros abaixo. O nível deles é de início de graduação à pós, inclusive estudei em dois deles no doutorado:
- Termodinâmica, por Mário José de Oliveira, 2ª edição revista e ampliada, editora Livraria da Física;
- Foundations of statistical mechanics: a deductive treatment, por Oliver Penrose, editora Pergamon Press. Oliver Penrose é irmão do físico Roger Penrose, que ganhou o Nobel de Física este ano, 2020, pelo desenvolvimento matemático com a RG sobre os buracos negros;
- Introducton to statistical physics, por Kerson Huang, editora Taylor & Francis;
- Introdução à física estatística, por Sílvio Salinas, editor EdUSP. Prof. Salinas é uma referência em física estatística no Brasil;
- Fundamentos de física: gravitação, ondas e termodinâmica, por Halliday, Resnick e Walker, vol. 2, 7ª edição, editora LTC. É o tradicional livro (ou coleção: são 4 volumes no total) introdutório a física para quem quer algo a mais do que aprendeu no ensino médico ou está entrando na faculdade;
- Curso de física estatística, por Torsten Fließbach (ß tem um som ou pode ser transliterado por ss: Fliessbach), editora Fundação Calouste Gulbenkian.
As recomendações de leitura, que não são acadêmicas:
- Um podcast sobre o assunto trabalho na ciência como adoração a Deus: https://bibotalk.com/podcast/trabalho-e-missao/. Participei dessa gravação em conjunto com Leopoldo e Fernando, ambos da ABC2;
- Livro Astronomia e astrofísica, por S. O. Kepler e Maria de Fátima Saraiva. Este livro é disponibilizado no próprio site dos autores, que são professores da UFRGS. É um excelente material de consulta: http://astro.if.ufrgs.br/livro.pdf;
- Livro Alfa e Ômega: a busca pelo início e fim do universo, por Charles Seife, editora Roccomn. É um livro de 2007, está um pouquinho desatualizado com relação a dados (como bóson de Higgs e ondas gravitacionais), mas ainda é muito proveitoso e com uma didática muito boa;
- Livro Cosmologia física: do micro ao macro cosmos e vice-versa, por Jorge Horvath, German Lugones, Marcelo porto, Sergio Scarano e Ramachrisna Teixeira, editora Livraria da Física. Outro livro muito bom, um pouquinho técnico, mas nada que não possa ser resolvido por si mesmo. Está um pouquinho desatualizado com relação a dados por ser de 2011, porém, altamente recomendado;
- Prof. Alexandre Zabot, da UFSC, tem um curso gratuito de astrofísica geral excelente. Recomendo fortemente. Você assiste as aulas no YouTube, tem acesso ao material (slides, sites e alguns textos). Para todas as informações, links das aulas e materiais: https://astrofisica.ufsc.br/astrofisica-geral/.