Natal 2020 – A estrela de Belém: morte de estrela?
Dizendo: Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? Porque vimos a sua estrela no oriente, e viemos a adorá-lo.
Mateus 2:2
Hoje é o grande dia, talvez um dos mais aguardados do ano: 25 de dezembro, Natal! E, para complementar essa grande festa, preparei, desde segunda-feira (21 de dezembro de 2020) colunas sobre a Estrela de Belém. Você pode ver toda a série aqui. O tema de hoje, ainda sobre o fenômeno descrito por Mateus e conhecido como Estrela de Belém, delineará sobre uma possibilidade, talvez a menos conhecida e igualmente possível: evento de Nova / Supernova / Hipernova. Antes, um resumo do que vimos; caso não tenha visto, não deixe de ler para ver todos os outros detalhes não abordados aqui.
Na primeira coluna dessa série Natal 2020 perpassei na possibilidade mais conhecida e, no ano de 2020, a mais difundida: a Estrela de Belém sendo uma conjunção planetária entre Júpiter e Saturno. Essa possibilidade foi tão difundida este ano por causa do mesmo evento acontecer no dia 21 de dezembro. Até o fechamento desta edição não consegui tirar fotos (desde o dia 17 de dezembro), pois em Brasília está nublado / chovendo justamente na região oeste, onde é visível o fenômeno.
Também na primeira coluna, antes de começar a pensar em possibilidades físicas, dei uma olhada no texto em grego. O que Mateus escreve não ajuda muito em nossa curiosidade científica, principalmente porque a cultura, de forma geral, não é formatada em um pensamento ocidental e muito menos, científico como trabalhamos no séc. XXI. Por exemplo, os povos ao redor da terra de Israel (babilônicos, romanos, gregos etc) eram fortemente influenciados pela astrologia: a interpretação de fenômenos astronômicos tinha relação direta com a vida do povo. Olhando para a questão da ascensão helíaca e conjunção planetária (veja a primeira coluna), a interpretação astrológica era de que um rei, grande e legítimo, tinha nascido no meio dos judeus. A forma de registrar esse fenômeno só poderia ser pela palavra grega, na raiz, αστήρ (astér): estrela. Obviamente, a dificuldade é saber qual é esse αστήρ: pode ser uma conjunção planetária ou um cometa.
Na segunda coluna trabalho com a ideia de que a Estrela de Belém, ou a palavra derivada de αστήρ (astér), seja um cometa. Astrologicamente falando, a interpretação da passagem de um cometa sempre traz perplexidade, pois pode ser um caso de desastre (morte de um grande soberano) e mudança de um regime governamental pelo nascimento (ou apenas troca) de um rei: é o caso de Herodes, rei ilegítimo (não descendia da casa real davídica); poderia ser tanto a sua sentença de morte (como acabou sendo no ano 4 a.C.) como o nascimento de um novo rei (como aconteceu, de fato), ou ambos os casos.
A coluna de hoje vai mostrar mais uma possibilidade, igualmente válida, sobre a Estrela de Belém e que, dentro da cultura da época, poderia ser interpretada como o αστήρ (astér) descrito por Mateus e o nascimento de um rei, que é a ideia impulsionadora dos magos a irem até a Judéia. Essa possibilidade, talvez, seja a menos conhecida, principalmente das dificuldades de se entender os processos: Nova / Supernova / Hipernova. Estou colocando os 3 fenômenos, juntos, pois tem naturezas semelhantes.
Morte de estrela
Há várias formas de uma estrela morrer, falando de uma forma ampla. Uma delas é por evento de Nova: quando há transferência de material de uma estrela a outra estrela. Outra forma é por Supernova (há alguns tipos, como SN Ia, Ib e Ic; não detalharei aqui), que é uma explosão, literalmente, das camadas da estrela. A outra forma, que também nos interessa, é a Hipernova: como o próprio nome já indica, é uma explosão de uma estrela, mas muito superior que a Supernova. Vamos ver um pouquinho mais de detalhes dessas 3 formas.
Futuramente, na série Cosmologia, detalharei os processos de nascimento, evolução e morte de estrelas. Para os nossos propósitos aqui: uma estrela nasce através de um disco de gás com ou sem poeira. A marca exata de seu nascimento é quando começa processos nucleares de fusão: junção de um ou mais núcleos de átomo.
A aglutinação de material se dá apenas por gravidade, ou seja, massa atrai massa. Quando uma grande quantidade de massa (gás e poeira) é atraída, maior é a gravidade ou campo gravitacional essa protoestrela possui. Na medida que ela vai crescendo, mais matéria vai atraindo até que, em algum momento no seu interior, os átomos (do gás) ficam tão comprimidos, devido a força gravitacional, que chegam a se fundir; por exemplo, hidrogênio se fundindo com hidrogênio e gerando o próximo elemento da tabela periódica (hélio).
Processos nucleares são bem conhecidos, em parte pela forma errada, pelo homem. Na Segunda Guerra Mundial, Hiroshima e Nagasaki sofreram com a explosão de 2 bombas atômicas, matando quase 200 mil pessoas instantaneamente. Mas essas explosões ocorrem por fissão nuclear: divisão de átomos e liberação de uma grande quantidade de energia. Outros testes militares de armamentos nucleares aconteceram anos mais tarde com a produção de bomba H ou bomba de hidrogênio: uma bomba atômica explode iniciando a ignição da bomba H, que fundirá elementos químicos e liberará uma gigantesca quantidade de energia. O poder de destruição, em terra, desse tipo de arma, é incomparavelmente maior do que de uma “simples” bomba atômica que caiu em Hiroshima ou Nagasaki. No Sol acontece “explosões de bombas H” em um sem número de vezes por segundo. A quantidade de energia, liberado da fusão de elementos químicos, viaja pelo espaço e, depois de 8 minutos, chega na Terra em formato de radiações (térmica, UV etc).
Em linhas gerais: uma estrela nasce por aglutinação de matéria (gás, com ou sem poeira), o volume vai aumentando, a gravidade vai aumentando e isso continua até o ponto que ela começa a fazer fusão nuclear. Nesse instante ela se torna uma estrela e continua por milhares ou bilhões de anos, enquanto tiver material para fundir, aglutinar da nuvem de gás e poeira. Ou até mesmo, enquanto a sua companheira (sistema duplo / triplo) tiver fornecendo material. Muitas estrelas nascem, em regiões com muito gás e poeiras, juntas, em sistemas que chamamos de duplo ou até triplo. Esse sistema estelar continua vivo enquanto as estrelas continuarem vivas: fundindo elementos químicos em seu interior ou capturando a companheira, por força gravitacional.
A quantidade de matéria que uma estrela possui está intimamente ligada a como ela irá morrer. Quando a estrela é de pouca massa, ela continuará a queimar seu combustível e finalizará sua vida em uma anã branca (um formato de estrela final). Quando sua massa é muito grande (por ser grande ou por tomar material de outra estrela) ocorre uma explosão. A explosão, que dependerá da quantidade de material envolvido, gerará uma Nova, Supernova ou Hipernova. Ou seja, essas formas são eventos de morte de estrelas.
Visualmente, a diferença entre esses eventos é o brilho menos intenso (Nova) a mais intenso (Hipernova). Esses eventos de morte estelar podem ocorrer dentro da nossa galáxia ou em outras galáxias. Aliás, eventos de Supernova do tipo Ia que ocorrem em outras galáxias são usados como velas-padrão: seu brilho é tão bem comportado que é possível saber as distâncias cosmológicas. Um outro detalhe é que esses eventos (Nova / Supernova / Hipernova) podem ser vistos por muitos dias, dado o tamanho e a distância. Por exemplo, o brilho de uma Supernova em uma outra galáxia pode ser maior do que o brilho da galáxia inteira: você está observando uma galáxia por um telescópio e não vê anomalia; ao longo dos dias você observa, na mesma galáxia, um pontinho que está brilhando e continua até brilhar mais do que toda a galáxia. Depois, esse brilho vai diminuindo até sumir.
Temos diversas Novas, Supernovas e Hipernovas registradas ao longo da história. Apenas para citar um exemplo: a Supernova SN 1054 foi registrada no ano 1054 por chineses e árabes. Ela foi vista por 23 dias, durante o dia, e durante a noite por 650 dias. Ela deixou uma imagem muito linda e tão significativa que é o primeiro objeto do catálogo Messier (M1), onde o francês Charles Messier, entre 1764 e 1781, registra diversos objetos. Depois de um evento de morte de uma estrela, algum material fica remanescente: uma estrela anã branca, um buraco negro, “restos” de gás e poeira fazendo um efeito de fumaça esmaecendo etc. Analisando o remanescente podemos reproduzir o evento explosivo e até qual tipo de objeto produziu-o.
Tudo isso é muito legal e interessante, mas a pergunta permanece: há possibilidade da Estrela de Belém ter sido a morte de uma estrela? No texto do Humphreys há referência de pesquisa feita por Kepler (1604) e Foucquet (1729) atribuindo a um evento de Nova / Supernova para a Estrela de Belém. Inclusive, a SN 1604 também é conhecida como Supernova de Kepler.
Tipler, no livro A física do cristianismo, traz muitos detalhes interessantes sobre a Estrela de Belém, inclusive a possibilidade de ter sido a Supernova SN 1885, um evento que aconteceu na galáxia de Andrômeda e cujo remanescente ainda é bem estudado. Fazendo as contas ao inverso, essa Supernova é candidata a ser a Estrela de Belém, assim como uma Nova (registrada por chineses em 31 de março do ano 5/6 a.C. na região da constelação de Capricórnio http://www.observadores-cometas.com/Star_of_Bethlehem/English/Chinese.htm). Nas Sugestões de leitura deixo alguns materiais adicionais, inclusive artigos técnicos.
Em resumo, um outro possível candidato a Estrela de Belém é a SN 1604 ou a SN 1885. Claro, não é descartado Novas, outras Supernovas e Hipernovas; é que das observações que temos até o momento com os remanescentes dessas supernovas a condição de Estrela de Belém para esses objetos fica plausível: poderiam ter permanecido visível no céu por vários dias (talvez até durante o dia), são plausíveis o aparecimento no céu na época do nascimento de Cristo e a ocorrência do termo αστήρ (astér; estrela) pode ser empregado para esse fenômeno sem perda de significado. É claro que na época dos astrólogos greco-romanos, como talvez seja a origem dos magos, não se sabia da existência e do mecanismo de funcionamento desse tipo de fenômeno. Mas, o aparecimento / desaparecimento, como um pontinho brilhando, é consistente, visualmente, com uma estrela.
Posição pessoal
Repetirei o mesmo parágrafo que citei na primeira coluna sobre minha posição pessoal.
Apenas para deixar destacado que na primeira coluna do CosmoTeo dei algumas características pessoais. Ou seja, sou cristão, trinitário, reformado e não sou cristão liberal. Subscrevo, de forma histórica, a Confissão de Fé Batista de 1689 (que é documento da igreja onde sou membro, Igreja Batista da Graça) e o Pacto de Lausanne (que é documento da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência, onde também sou membro e exerço algumas funções). É claro que os textos escritos no CosmoTeo são de minha autoria (digito, corrijo e edito todos) e refletem apenas a minha visão, que pode ou não ser compartilhada com outras pessoas.
Ferramentas utilizadas
O texto bíblico em português que utilizei é a versão Almeida Fiel Corrigida, como todo texto que utilizo no CosmoTeo (pode ser encontrada, online, aqui). Para as simulações astronômicas tenho em mãos o software Stellarium na versão 0.20.3, que pode ser adquirido gratuitamente aqui.
Então Herodes, chamando secretamente os magos, inquiriu exatamente deles acerca do tempo em que a estrela lhes aparecera.
Mateus 2:7
Só isso?! Sim! Mas, ficou em dúvida, quer perguntar algo, deixar algum comentário ou sugerir algum tema, deixe abaixo! Ficarei feliz em te responder, seja nos comentários ou em algum artigo específico.
Sugestão de leitura
- Um texto interessante e complementar sobre Supernova: https://spacecenter.org/what-is-a-supernova/;
- Para mais informações, técnicas, sobre a SN 1054: https://www.aanda.org/articles/aa/full/2001/04/aah2323/aah2323.right.html;
- Em português, uma notícia, de 2018, sobre uma Supernova atual: https://www.iae.cta.br/index.php/observ-noticias/469-supernova-sn-2016gkg-a-astronomia-amadora-nas-fronteiras-da-ciencia;
- Sobre a SN 1885, 3 textos técnicos sobre o remanescente: http://articles.adsabs.harvard.edu/pdf/1989ApJ…341L..55F, https://iopscience.iop.org/article/10.1086/304917/pdf e http://articles.adsabs.harvard.edu/pdf/1985ApJ…295..287D;
- Há muito mais detalhes envolvendo esse fenômeno que pode ser no excelente livro The Great Christ Comet: revealing the true star of Bethlehem, por Colin R. Nicholl, editora Crossway. Este livro traz outros detalhes sobre outras hipóteses, inclusive da conjunção planetária, e tem endosso de J. P. Moreland (que trabalha com filosofia e teologia com William Lane Craig) e Colin Humphreys, que também o citei na coluna;
- Artigo do Colin Humphreys da revista Science and Christian Belief: aqui https://www.asa3.org/ASA/topics/Astronomy-Cosmology/S&CB%2010-93Humphreys.html;
- Livro A física do cristianismo: antigos mistérios da religião cristã revelados pela ciência moderna, por Frank Tipler, editora Cultrix;
- O melhor material, em português, no assunto entre ciência e fé cristã é o Dicionário de cristianismo e ciência, editora Thomas Nelson Brasil em parceria com a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência;
- Livro Astronomia e astrofísica, por S. O. Kepler e Maria de Fátima Saraiva. Este livro é disponibilizado no próprio site dos autores, que são professores da UFRGS. É um excelente material de consulta: http://astro.if.ufrgs.br/livro.pdf.