A Terra é plana? Uma introdução
E tu, ó filho do homem, assim diz o Senhor DEUS acerca da terra de Israel: Vem o fim, o fim vem sobre os quatro cantos da terra.
Ez 7:2
Hoje vou iniciar mais uma série no CosmoTeo com um tema que dá pano “pra” manga: terraplanismo. As “grandes” discussões contemporâneas se concentram em teorias de conspiração do tipo dominação mundial e esconder a verdade da humanidade de que a Terra é plana. Mas, essas estórias são quase cíclicas e tem ficado mais frequentes nos últimos 70 anos.
O que pretendo fazer nesta série é trazer um pouco de conhecimento para amenizar esse fogo de palha, mas que provoca muita fumaça. A ideia é fazer algo que é característico do CosmoTeo: ver a parte histórica da “teoria”, verificar os textos bíblicos dentro de uma exegese (o que o texto quer dizer em seu contexto histórico e cultural) e trazer a parte científica.
Antes de começar é interessante destacar um ponto: a ideia moderna de Terra plana pode ser encontrada em contexto de “conflito” entre ciência e fé cristã. Obviamente a expressão conflito está entre aspas pois não existe conflito entre ciência e fé cristã. Este tema, aliás, a relação entre fé cristã e ciência, estou trabalhando em outra série: o primeiro texto está aqui e você pode acompanhar todos os outros que sairão pela tag do site que ficará aqui. O tema é longo, pretendo trabalhar com algumas biografias em direção a uma convergência (já que todos os cientistas que pretendo discorrer eram / são cristãos) e até mostrar alguns caminhos onde as 2 áreas estão conectadas.
Quais seriam os principais pontos para a defesa da Terra plana atualmente? Destacarei alguns pontos sempre com foco em Terra plana, sem adentrar em outras questões periféricas como economia, política e relações internacionais.
Ponto 1
Dominação mundial de governos e segredo de estado, ou seja, um complô mundial em torno de uma governança globalista para imposição de forças. Essa questão é impossível de ser implantada a nível de conhecimento astronômico pois é fácil verificar, individualmente e sem a dependência de propaganda estatal. Por exemplo, viagens em aviões, satélites de comunicação (incluindo os comerciais) e a simples observação a olho nu já daria para contornar qualquer tentativa de planificação social (desculpe o trocadilho).
Ponto 2
Economia e sustenção governamental, ou seja, a propagação da “mentira” dos globalistas da Terra redonda renderia mais projetos de pesquisa, mais dinheiro de impostos para investimentos em “ciência da esfera terrestre” e o círculo seria fechado e eterno. Essa ideia até que poderia ser plausível se “tudo fosse combinado com os russos” (expressão da época da guerra fria e que significa trapacear, dar uma enrolada). O problema deste ponto é que existe mais de um tipo de financiamento a pesquisa, além do governamental: a iniciativa privada tem por base a venda e a aferição de lucro para o cliente e isso respinga até em projetos com tentativas de provar a Terra plana (todos falharam).
Ponto 3
Um outro ponto que não tem sido amplamente divulgado, mas é o fim da picada para o terraplanismo é a evidência de outros objetos astronômicos planos como a Terra. Há diversas formas de quebrar esta tentativa de argumentação e a mais simples delas é a observação direta a qualquer corpo celeste. Pode ser feito observação de eclipse solar, lunar, cometas que passam perto da Terra, do Sol (jamais olhe diretamente ao Sol) etc.
Ponto 4
A ciência é uma área controlada por interesses espúrios. Sem adentrar em questões epistemológicas como método científico, essa ideia não pode nem ser sustentada por si própria. Falando em termos práticos, principalmente olhando de onde estou, uma das coisas que dá mais prazer (ou medo, para alguns) é a mudança ou a evidência de algum fenômeno ou achado que pode mudar um modelo (teoria) científico. Exemplo: foi descoberto em tal lugar um planeta (com as devidas características: corpo grande e massivo em relação a sua órbita e apenas ele é dominante em sua trajetória, dentre outros pontos) e ele é plano. A quantidade de pesquisa em cima deste objeto será gigantesca, com possibilidades de mudança em toda a física planetária, leis de Newton, leis de Kepler, astronomia e cosmologia.
Ponto 5
Talvez o ponto mais forte para o terraplanismo atual seja a defesa inegociável da Bíblia, ou seja, ela “diz” que a Terra é plana então, não importa o que qualquer outra pessoa fale, ela é plana. Este ponto, para mim como cristão há décadas, é um dos mais tristes, pois relata uma defesa invejável ao texto sagrado (do qual eu advogo) mas, ao mesmo tempo, demonstra uma falta de conhecimento bíblico lamentável. A defesa da fé, a apologética, é algo que deve ser feito por todos os cristãos, em todas as épocas e em todos os lugares. A própria Bíblia começa com uma apologética, em Gn 1, onde o escritor do texto deixa explicito de que o único Deus é o criador de todas as coisas e os objetos da natureza (terra, céu, águas e vida) não são divindades. Mas, como conhecemos da história da igreja (patrística, por exemplo) a teologia é racional, tem lógica, tem fundamentação no mundo real e as contradições entre o que é observado no mundo real e a argumentação devem ser ajustadas. Afinal, temos apenas um Autor da Revelação Especial e que é o mesmo da Revelação Geral.
A falta de conhecimento bíblico e teológico, que é risível para um cristão, pode ser fatal ou munição desnecessária para ateus e agnósticos. O ponto é a forma como o texto bíblico é e como deveria ser tratado. Longe de uma bibliolatria, a Bíblia é a Palavra de Deus inerrante, eficaz e tem tudo o que uma pessoa, pecadora e perdida, precisa saber para ser salva. É inegável que a salvação passa por um processo de ouvir a Palavra (Rm 10:17). Mas, a gente querer ler um texto que foi escrito há mais de 2 mil anos (finalizado), em grego koiné (com letras maiúsculas e sem espaçamento), em uma região do Oriente Médio na época de um império mundial (romano), desconsiderando todo o rio cultural que ele está imerso é pedir para errar. Lembrando que o Antigo Testamento (AT) foi finalizado no séc. IV a.C. e conta uma história de mais ou menos 4 mil anos antes de sua redação final. A quantidade de informação que é desconsiderada ao ler a Bíblia em português / inglês / espanhol ou qualquer outro idioma no séc. XXI é gigantesca. E isso pode levar a aberrações do tipo “a Terra parou o seu movimento ao redor do Sol em Josué” ou a terraplanismo atual.
Em resumo, o que fiz hoje foi apenas uma apresentação da nova série. Nem comecei a discutir o tema em si, apenas citei alguns argumentos mais tradicionais que são colocados hoje em dia. Há muito caminho a ser percorrido. Quero perpassar pela história, de forma panorâmica, da Terra plana e, só por esse ponto, a gente observa que essa ideia já é rechaçada desde o séc. VI a. C. na Grécia com vislumbres anteriores, por volta do séc. VIII a. C. Já no séc. IV a. C. há experimentos (que podem ser reproduzidos hoje em dia no quintal de qualquer casa) demonstrando a impossibilidade observacional (em sombra) da Terra plana.
Indo para questões científicas, há milhares de forma de demonstrar a inviabilidade desta hipótese que não se sustenta: telecomunicações em geral, transportes aéreos, marítimos e aeronáuticos, observações cosmológicas e astronômicas, geofísica e até climatologia. Claro, nem estou citando a parte teórica (leis de Newton, leis de Kepler e eletromagnetismo) onde qualquer pessoa que tenha passado pelos fatídicos livros de física do ensino médio consegue amarrar os conceitos.
Também passarei pelo texto bíblico, sem ser exaustivo. Mas, como já citei em outras colunas (por exemplo aqui e aqui) a ideia de universo para os povos da época do AT e do NT era esta:
É claro que isso não significa que a Bíblia ensina que a Terra é plana. E mais: a Bíblia não contém manual de ciências, ela não é um livro científico e jamais pode ser tomado como tal. Os escritores eram inspirados por Deus para escrever a Palavra dEle mas em seu contexto cultural, no que ele acreditava que era o funcionamento do universo. Deus não fez revelações astronômicas ou ensino de ciências ao inspirar os escritores. Por isso é que não faz o menor sentido teológico querer ensinar esfericidade da Terra por Is 40:22 ou a planicidade por Jr 49:36 (há milhares de outros textos para os 2 lados). Apenas como exemplo, na coluna anterior trabalhei sobre a questão do geocentrismo e do heliocentrismo; é uma aberração hermenêutica forçar o texto de Js 10 para dizer que a Terra é o centro do universo ou, pior, que a Terra gira ao redor do Sol, mas que Deus parou sua rotação!
Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou.
Rm 1:19
Só isso?! Sim! Mas, ficou em dúvida, quer perguntar algo, deixar algum comentário ou sugerir algum tema, deixe abaixo! Ficarei feliz em te responder, seja nos comentários ou em algum artigo específico.
Sugestão de leitura
- Dicionário de Cristianismo e ciência, editora Thomas Nelson Brasil em parceria com a Associação Brasileira de Cristãos;
- * Uma obra extremamente didática e de fácil linguagem mostrando, historicamente, o mito do conflito entre ciência e fé cristã, além de apresentar formar de relação: Fundamentos do diálogo entre ciência e religião, por Alister McGrath. Editora Edições Loyola;
- Este livro dá algumas visões cristãs sobre a relação entre ciência e fé cristã: Quatro visões cristãs sobre criação, evolução e design inteligente, livro por Ken Ham, Deborah Haarsma, Hugh Ross e Stephen Meyer. Editora Thomas Nelson Brasil em parceria com a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência;
- Livro Astronomia e astrofísica, por S. O. Kepler e Maria de Fátima Saraiva. Este livro é disponibilizado no próprio site dos autores, que são professores da UFRGS. É um excelente material de consulta: http://astro.if.ufrgs.br/livro.pdf.