Série Visões Cristãs sobre as origens: prolegômenos
Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.
João 1:3
Mais uma nova série na coluna CosmoTeo: Cosmologia e Teologia no mesmo universo é iniciada. Na realidade, ela é um desdobramento de uma outra, Série Ciência e Fé Cristã, onde desenvolvo algumas relações, históricas e atuais, entre a ciência (mais especificamente a Física e a Cosmologia, que são a minha formação) e a fé cristã (ortodoxa e trinitária). Esta nova, Série Visões Cristãs sobre as origens , tem um objetivo mais específico e não tão amplo: mostrar algumas visões cristãs sobre criação e evolução (biológica, cosmológica e geofísica). Explico melhor.
Dentro do cristianismo e, principalmente, dentro do mundo da hermenêutica, há várias escolas de pensamento em se olhar as nossas origens partindo do texto bíblico. Exemplificando: a Bíblia começa com o verso, em Gênesis 1:1, dizendo que Deus criou todas as coisas. Nos versos seguintes, a forma que está escrito dá a entender, dentro de uma dessas escolas hermenêuticas, uma espécie de revelação cosmológica: já que não tinha qualquer pessoa junto a Deus na criação de todas as coisas, então o Criador está descrevendo como Ele criou tudo. Outros, que observam uma exegese se utilizando de literatura, figuras de linguagem e material do Antigo Oriente Próximo, vai ler o mesmo texto com outro tipo de entendimento: a narrativa da semana da criação não é uma descrição de fatos históricos sequenciais.
Antes de continuar, uma palavrinha rápida sobre alguns termos que adoto aqui. Interpretação bíblica é uma área de estudo que se utiliza da hermenêutica e da exegese. Hermenêutica, para os propósitos que utilizarei, é a forma mais ampla de você estudar o texto bíblico, levando em conta todo seu contexto e aplicação, inclusive para os nossos dias atuais. Exegese é descobrir o sentido original do texto bíblico, o escritor e seu contexto (linguístico, cultural, social, político e econômico), o destinatário original e seu contexto (linguístico, cultural, social, político e econômico), as figuras de linguagem, o estilo literário, o tipo de literatura, o contexto que acontece a história que o texto se refere e a aplicação no momento original. O conjunto, hermenêutica e exegese, é o que chamo de interpretação bíblica.
Veja que não é nada simples fazer uma interpretação bíblica correta. É óbvio que essa tarefa não é impossível: por isso que temos especialistas de diversas áreas (incluindo teólogos) que doam a sua vida inteira para nos dar muitas coisas já prontas, sem contar o grande período da tradição do cristianismo que perdura por mais de 2 mil anos. Mas, como as ideias humanas são muito diversas, várias escolas de hermenêutica ou interpretação bíblica (as vezes posso fazer esse intercâmbio de palavras) foram desenvolvidas ao longo dos séculos.
Meu objetivo com essa nova série não é trabalhar sobre interpretação bíblica; o que pretendo é trazer algumas visões cristãs sobre criação e evolução da natureza. Mais especificamente, trabalharei com quatro visões: Criacionismo da Terra Jovem (CTJ), Criacionismo da Terra Antiga (CTA), Design Inteligente (DI e Criacionismo Evolutivo (CE). Essas visões são, talvez, as mais conhecidas pelo público evangélico brasileiro. Não são as únicas e há diversas variantes e ramificações dentro de cada visão. Só que darei um panorama, um pouco mais sobre seus fundamentos e bases.
Aqui no CosmoTeo já escrevi sobre o CTJ, o CTA e o DI. O que farei nessa nova série é expandir um pouco mais o que já fiz nesses outros texto e agrupá-los.
Para você que é um leitor do CosmoTeo, já me conhece muito bem. Inclusive, já escrevi um pouco sobre quem sou e no primeiro texto da coluna. Mas, para contextualizar: sou formado em Física (graduação, mestrado e doutorado), membro da Igreja Batista da Graça (IBG) há 9 anos, evangélico há 29 anos e membro da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC²). Ainda dentro da ABC²: sou líder do Grupo de Estudos em Brasília, líder do Grupo Temático em Física (ambos os grupos recebem pessoas interessadas em qualquer nível; basta me procurar), membro do Núcleo de Ciências Naturais e Fé Cristã e Conselheiro Regional do Centro-Oeste e Sudeste.
Apenas para destacar: obviamente, as coisas que escrevo no CosmoTeo refletem apenas a minha posição estritamente particular: não falo em nome da instituição ABC² e nem da IBG; mas tenho plena liberdade de exercer meus argumentos. Falando sobre a ABC² com relação às visões sobre origem e evolução: institucionalmente ela não toma partido em nenhuma visão; isso está explicito em seu estatuto (parágrafo 1º do art. 3º). Em outras palavras, a ABC² não defende o CTJ, o CTA, o DI, o CE ou qualquer outro tipo de visão. Por outro lado, seus membros são livres para tomar (ou não!) qualquer posição cristã desde que tenham educação, humildade, falem a verdade e discuta os temas de forma respeitosa e esclarecedora: isso é estatutário, é documentado para o membro ao se filiar livremente.
Voltando às visões: escolhi estas por serem bastante difundidas e por ter materiais em português acessível a você. Por exemplo, utilizarei como principal fonte o livro A origem: quatro visões cristãs sobre criação, evolução e design inteligente, de Ken Ham, Hugh Ross, Deborah Haarsma e Stephen Meyer (editora Thomas Nelson Brasil em parceria com a ABC²) e o Dicionário de cristianismo e Ciência (editora Thomas Nelson Brasil em parceria com a ABC²). Claro, não existe apenas esses dois livros em português; outros deixarei embaixo nas sugestões de leitura.
Outros prolegômenos (coisas que são ditas antes como introdução) sobre o tema da série. Como cristão estou partindo do pressuposto de que Deus criou todas as coisas. Isso não é questão de discussão, discordância ou ponto negociável: faz parte da doutrina bíblica da criação e é fundamental ao cristianismo. O que é discutível (e isso ficará muito claro na apresentação das visões) é a forma, o processo, a maneira e a condução que Deus criou todas as coisas; isso sim é passível de discussão e argumentação.
Uma palavra final, em caráter de definição, sobre os termos criacionismo, Terra jovem, Terra antiga, evolução e design inteligente. Dentro do nosso contexto, a crença de que Deus criou todas as coisas, não importando a forma ou o processo físico, é a definição mais simples de criacionismo. Ou seja, criacionismo não tem relação qualquer com idade da Terra, do universo ou maneira de surgimento da humanidade. A ideia de uma Terra e universo jovens, entre 6 e 10 mil anos, é um dos pontos defendidos pelo CTJ. Já a noção de um universo e Terra antigos, tendo bilhões de anos, é a concepção defendida pelo CTA e pelo CE: a diferença entre os 2 será nos processos que formaram o universo, a Terra e a vida.
Algo ordenado, que tem uma semelhança de montado, projetado e intencionalmente fabricado está por trás da noção de design (ou projeto). O designer (ou projetista) teve o cuidado, meticuloso, ao desenhar cada detalhe da natureza. Mas, quem é e o que é esse designer é uma incógnita. Para quem defende o DI dentro de um contexto cristão, o projetista é o próprio Criador de tudo. Por último, seguindo a teoria da evolução em seu contexto mais atual, abarcando seleção natural, macro evolução, microevolução, epigenética e outros conceitos biológicos, o Criacionismo Evolutivo tem, em seu cerne, a ideia de que Deus criou todas as coisas e utilizou a evolução biológica como parâmetro criativo, ou seja, através da evolução e diversos outros processos naturais o Criador deu forma e vida ao que vemos na natureza.
Basicamente, esses são os detalhes primordiais que gostaria que você entendesse. Eles serão fundamentais para nossa compreensão de cada uma das visões cristãs que falarei futuramente. Já adianto que o assunto é extenso, cada visão cristã possui muitas variantes e desdobramentos e é, humanamente impossível, abordar cada aspecto. Obviamente, deixarei algumas recomendações bibliográficas (artigos, livros, vídeos e podcasts) para você ler mais sobre o assunto. Como sempre, a sessão de perguntas, tanto aqui no site quanto em qualquer outro local que você me encontre, está aberto para qualquer dúvida.
Grandes são as obras do Senhor, procuradas por todos os que nelas tomam prazer.
Salmos 111:2
Ficou em dúvida, quer perguntar algo ou fazer alguma crítica / sugestão? Deixe nos comentários abaixo e terei o prazer em te responder aqui ou em algum artigo específico.
Sugestão de leitura
- A origem: quatro visões cristãs sobre criação, evolução e design inteligente, de Ken Ham, Hugh Ross, Deborah Haarsma e Stephen Meyer. Editora Thomas Nelson Brasil em parceria com a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência;
- O melhor material, em português, no assunto entre ciência e fé cristã é o Dicionário de cristianismo e ciência, editora Thomas Nelson Brasil em parceria com a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência;
- Site da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC2), que tem milhares de artigos, vídeos e livros já publicados sobre essa temática: https://www.cristaosnaciencia.org.br.